segunda-feira, agosto 28, 2006

Muito interessante

«Aquelas raças, que viviam há séculos porta com porta, nunca tinham tido a curiosidade de se conhecer nem a decência de se aceitar mutuamente.»


«Mas cada hora de acalmia era uma vitória, precária como são todas; cada disputa arbitrada um precedente, uma garantia para o futuro. Importava-me muito pouco que o acordo obtido fosse exterior, imposto de fora, provavelmente temporário: sabia que o bem, como o mal, é uma questão de rotina, que o temporário se prolonga, que o exterior se infiltra no interior e que, com o decorrer do tempo, a máscara torna-se face. Pois que o ódio, a estupidez, o delírio têm efeitos duradouros, não via razão para que a lucidez, a justiça, a benevolência não tivessem também os seus. A ordem nas fronteiras não valeria nada se eu não persuadisse aquele adelo judeu e aquele salsicheiro grego a viverem tranquilamente lado a lado.

A paz era o meu fim, mas não de forma alguma o meu ídolo; a própria palavra ideal desagradar-me-ia como demasiado distante do real. Tinha pensado levar até o extremo a minha recusa das conquistas abandonando a Dácia, e tê-lo-ia feito se pudesse, sem loucura, desligar-me da política do meu predecessor, mas era preferível utilizar o mais prudentemente possível aquelas vantagens anteriores ao meu reinado e já registadas pela História.»

Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar, Editora Ulisseia

3 comentários:

JPD disse...

Acho extraordinária esta passagem de «AS MEMÓRIAS DE ADRIANO»
São de uma actualidade espantosa.
Já li vários livros da Yourcenar.
Parabens pela escolha.
Bjs

None disse...

Abre-se uma página e descobre-se sempre alguma coisa nova.
Gosto muito deste livro.

Teresa David disse...

Finalmente uma autora bem minha conhecida cujo primeiro livro que dela li que me oferecido por um amigo francês, já falecido, e que foi exactamente este Memoires d'Adrien. Felizmente tenho um conhecimento grande da lingua francesa e sempre li as obras dos autores desse País no original, que faz ganhar um colorido tão especial. Mas eu sou suspeita pois gosto mesmo mto da literatura e lingua francesas, já não tanto do seu povo, mas isso é assunto que não é para aqui chamado!
Fiquemos então só pela cultura!
Bjs
TD