quinta-feira, junho 21, 2007

"Rosto" por Maria

11 comentários:

Cerejinha disse...

Tem a expressão determinada de uma "Maria da Fonte", ou de uma "Padeira de Aljubarrota"
Quem é?

Luisa disse...

Uma expressão de rosto um pouco dúbia...Tão depressa parece uma mulher masculinizada como o de um homem adamado.

APC disse...

Agora fiquei curiosa... De quem será este retrato a carvão?...

bettips disse...

Mulher de rosto duro. Mulher de pescador? Todavia, serena...

jorge esteves disse...

Belo desenho, boa fotografia!...
Abraço.

Anónimo disse...

A dureza (do trabalho?) escrita no rosto...

Maria Carvalhosa disse...

Todas as fotos trazem histórias agarradas. Por coincidência, duas das últimas com que entrei no jogo "Fotodicionário" têm, por detrás, histórias de família ("linhas" e "rosto").:

Relativamente a esta, andava eu a "meter o nariz" no conteúdo de uns caixotes que estavam no sótão da nossa casa de família, na Quinta da Ponte do Arco(quem quiser conhecê-la pode visitar o meu post "Ponte do Arco (A Obra)" de 21 de Fevereiro de 2007), quando me deparei com este retrato a carvão, amarrotado e mal-tratado pelo tempo e pela ausência de estima, assinado pela minha tia-bisavó Albertina Augusta (coitada da senhora... que nome lhe haviam de ter dado!). Fiquei, desde logo, fascinada. Mais deliciada fiquei quando reparei na data do dito retrato: nada mais nada menos que o dia exacto do meu aniversário, mas quase cinquenta anos antes de eu ter nascido... de imediato me apaixonei por aquele rosto, de "buço" e olhos indubitavelmente muito claros - verdes, possivelmente - e baptizei-o de "Esmeralda".

Fiquei cheia de dúvidas quanto ao modelo, tal como vocês, meus amigos. Encontrei como resposta provável que tivesse sido um retrato desenhado às escondidas, pela minha tia-bisavó Albertina, recorrendo a uma empregada como modelo. Empregada doméstica não deveria ser, pois não apresentava o uniforme característico, poderia ser uma lavadeira, ou então, era uma encenação em que a/o modelo vestia roupas domingueiras, escondia o cabelo numa espécie de turbante e punha uns brincos compridos. Tudo meras possibilidades... a verdade partiu para sempre com a Tia Albertina (que tive o prazer de conhecer e com quem convivi intensamente desde a minha infância até aos vinte e tal anos, dado que ela morreu com cerca de noventa).

Resta-me acrescentar, a título de curiosidade, que a autora do retrato a carvão era neta, filha e irmã de pintores famosos da nossa praça, todos eles alunos e, mais tarde, professores nas Belas-Artes (um dos irmãos até ganhou vários prémios Valmor, tendo sido um dos arquitectos mais conhecidos do "Estado Novo", autor de obras de época como a Praça do Areeiro e as chamadas "Avenidas Novas", bem como a sua própria residência em Lisboa, igualmente objecto de prémio Valmor).

A tia Albertina que, segundo consta, tinha herdado do pai e do avô a verdadeira arte de pintar e desenhar (quadros de ambos, mas principalmente do avô, podem encontrar-se no Museu de Arte Contemporânea, no Chiado) - tenho aguarelas e óleos pintados por ela, devidamente cuidados e amados, como merecem - viu negada a sua vontade de aceder, contrariamente aos irmãos, obviamente do sexo masculino, às Belas-Artes, porque uma menina da aristocracia (ainda que praticamente arruinada), mesmo numa família de artistas pelo lado paterno, tinha mais era que casar e ter filhos e comportar-se como uma senhora de sociedade. O marido, inclusivamente, veio a proibi-la de pintar, razão pela qual penso que o retrato terá sido feito às escondidas...

Enfim... outros tempos... em que a mulher, de forma submissa, tinha que obedecer e não questionar... primeiro, os pais, depois, o marido. Pobre tia Albertina Augusta! Mas o orgulho que ela tinha nos muitos quadros do pai e do avô que lhe revestiam as paredes da casa!... Também havia por lá quadros de outros artistas de renome, amigos da família, como os irmãos Bordalo Pinheiro ou o Cottineli Telmo a quem ela, ternamente, chamava apenas "Telmo", quando contava algum episódio passado entre eles.

Quanto à Esmeralda, olho-a quase todos os dias, numa parede de minha casa. Adoro aquele contraste entre o buço e os olhos claros, sonhadores... de vez em quando vejo-a/o piscar-me o olho!!! ;) (risos).

Maria P. disse...

Um rosto que fala...

Muito bonito.

bettips disse...

Gostei tanto de te ler...

bettips disse...

...Claro que fui lá, à "Obra" como se andasse em cima dos teus pés, para não pisar recordações que não são minhas. Bj

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

Para onde vão os anjinhos quando morrem? para o limbo, não é? Então, será para essas bandas que terás que procurar o já suado comment que aqui estivera a compor. Foi-se, sem aviso prévio. Tentarei retomar de memória o que fizera de inspiração momentânea.

Comecei por te mostrar que, uma vez que o prometido é devido, estava de retorno com calma e tempo para comentar o teu post. Outra coisa não seria devida a quem sabe bem receber.

Fiz o que era de fazer: pus mãos "À Obra" e fui ver a Quinta da Ponte do Arco. Com a minha ideia fixa de
pôr as coisas nos lugares ainda pensei em ir ao GoogleEarth ver onde era a Ponte do Arco; não fui após a explicação que de um arco mesmo se tratava. Tinha linha de combóio por perto, seria a do Norte?

Depois dizia, com alguns detalhes apurados, que gostava, ao meu jeito - que é o de não adverbiar as
emoções - gostava, reitero, do que escreveste sobre a casa e a quinta, em primeiro lugar; e da casa e da
quinta que escreveste, em segundo.

Admiro as casas (e as quintas que são continuações ao avesso das casas, como o forro das mangas dos
casacos) com história por dentro e estórias à volta. Eu que não nasci num lugar assim, digamos por zelo
de linguagem que nasci num lugar comum, tenho pena. Talvez por isso que ande a fazer eu próprio o
meu lugar, um lugar bonito para morrer. Que é assim que eu gostava. É a minha Obra.

Tem muitas semelhanças com a tua: branca por fora e debroada com a tal listinha azul; sótãos e enconsos para guardar tralha do século passado; a buganvília já lá esteve, mas num dia de Inverno foi-se com a geada; a falta de um rio ou ribeiro levou-me a arteficializar um lago que agora tem peixes e uma rã com quem devaneio; e outras coisas.

Os meus jardins não têm goivos. Mas falo-te disto porquê? Tem uma explicação: ando a ler o "não entres tão depressa nessa noite escura" e o António só fala de goivos e do Luís Filipe. Mas será coincidência? Eu que não acredito em coincidências! Se uma coisa tem que acontecer, e se outra tem que acontecer, porque não hão-de ambas que acontecer aqui e agora? Que mal faz? Probabilidades independentes... Sair cara duas vezes? A moeda continua a ser honesta. Desonesto é roubar aos ricos para dar aos pobres.

E os meus sótãos não têm retratos a carvão, só impressões a cópia de carbono ou a laser que é o que mais se parece.

Vem então a estória agarrada ao retrato a carvão. Traz data, a mesma data do dia do teu nascimento. Mas será coincidência? Eu que não acredito em coincidências!

"Os olhos e Joaninha eram verdes... não daquele verde descorado e traidor da raça felina, não daquele verde mau e destingido que não é senão azul imperfeito, não, eram verdes-verdes, puros e brilhantes como esmeraldas do mais subido quilate.

São os mais e mais fascinantes olhos que há."

É que ando a ler também o João Baptista Leitão. Eu que não acredito em coincidências!

"Os raios verdes de teus olhos, faiscantes como esmeraldas, atravessaram o espaço e foram luzir no meio daqueloutros lumes que me cegavam. A esteva brava, o tojo áspero da nossa charneca mandavam-me ao longe as exalações de seu perfume agreste, e matavam o suave cheiro do feno macio dessas relvas sempre verdes que me rodeavam. As folhas crespas, secas, alvacentas das nossas oliveiras como que me luziam por entre a espessura cerrada da luxuriante vegetação do norte, prometendo-me paz ao coração, anunciando-me o fim de uma peleja em que mo dilaceravam as paixões."

A seguir temos duas estórias (histórias?) que se cruzam na reciprocidade do ver e do ser visto, do pintar e do ser pintado: Esmeralda / Tia Albertina. Quem é uma e outra? O objecto insinua-se ao nosso reconhecimento através de ícones: o uniforme, o turbante, os brincos. E reconjectura-se: será uma empregada? Uma lavadeira? Uma encenação? Parece que a verdade teria partido com a tia Albertina. A tia Albertina, não. É real de carne e osso e a sua comprovada existência e identidade prolongam-se no tempo:

para trás, através dos pergaminhos de família; para diante, pela sua vestutez. E prova disso é a convivência intensa, como se tivesse ressuscitado para se apresentar aos herdeiros antes de subir ao céu.

A descrição da tia Albertina é longa, precisa e detalhada; a da Esmeralda é sucinta, vaga e generalista.

E o mistério impõe-se: mas quem era a Esmeralda? Volto ao Lobo Antunes: mas quem era a Adelaide?

Esmeralda / Tia Albertina indissociavelmente irmanadas na vida real, nem que passageiramente. Agora irremediavelmente unidas num retrato a carvão. Partilhando o seu segredo numa outra dimensão a que ainda não ganhámos acesso.

E se a Esmeralda não fosse uma pessoa mas duas?