Entretenho-me a espreitar pelo buraco da fechadura do quarto da minha avó. Nunca a vejo deitada,sentada ou a fazer renda na cadeira do avô. Depois de muito espreitar, um dia, na penumbra, vi um vulto branco, a avó em camisa de dormir, deslocando-se silenciosamente para o lado do oratório. Ficou a rezar durante muito tempo. Cansei-me e fui brincar. No outro dia, logo de manhã, voltei a espreitar o quarto da avó. Ela não estava na cama mas na mesma posição em que a vira, no oratório, ontem mesmo. Sempre que insisto em espreitar pelo buraco da fechadura o quarto da avó, ela está a rezar, como desde o princípio. Tinham-me dito que ela não vinha para a sala porque estava doente, a descansar, no seu quarto.
É assim que a mentira ganha corpo ou imagem.
Rocha de Sousa
2 comentários:
Como já uma vez disse, tenho sempre muita dificuldade em interpretar as tuas fotografias.
Gratas as sombras que nos espreitam também, nessas memórias que guardamos "antes de ir brincar".
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