quinta-feira, novembro 15, 2012

11. Rocha/Desenhamento

O desafio da imagem, neste caso como noutros, coloca-nos diante do que somos; e muito do que julgamos ver é menos do que sabemos. Sabemos sempre mais do que aquilo que vemos através do olhar. E contudo a dimensão plurisignificante das coisas que nos cercam, podendo accionar memórias e saberes para além delas, tem em si mesma aspectos inacessíveis ou estranhos.
O que vejo aqui, tudo o que já entrou para dentro do meu olhar, pode reduzir-se a um indeterminado conjunto de pessoas que não sei quem são nem o que fazem. Seguram, em jeito de espera, talvez sacos de compras, recolhas. É gente de uma certa margem, depende talvez de entregas contra o alarme, e julgo que algumas das figuras a quem o enquadramento decepou as cabeças olham contudo para restos amolgados de sacos de plástico ou algo que perdeu utilidade, sentido, função: são formas abandonadas e que para mim quase não têm nome, enchem de fragmentos brancos a mediana do campo, estão quase perto de quem olha e sobre o empedrado aparentemente granítico da rua. Não sei onde estou, não há definição suficiente, nem nas pedras, nem nos despojos brancos, nem na cadeia de pessoas cuja pausa ou acção se indetermina: é um fragmento do quotidiano que o meu olhar me permite apontar aqui e além, mas não através de nomes do ser e do fazer. O que sei é mais do que vejo. E contudo estou manietado aquém do que vejo. É nestas condições que o homem parece confrontar-se com uma penosa condição de cegueira, dir-se-á que mal consegue congregar os sentidos objectivos, comuns a toda a cena, das imagens exteriores a si. A mim.

Rocha de Sousa

4 comentários:

M. disse...

Um texto muito interessante, observador e filosófico.

Justine disse...

Boa solução para uma fotografia enigmática, passível de várias interpretações.

Sérgio Ribeiro disse...

Pois é.
Sabemos sempre mais do que o que vemos e, quantas vezes, o que sabemos não chega para sabermos o que vemos.
Acho muito interessante, no interessante texto, o desprezo ou a desatenção relativamente aos sapatos sem pés que os calcem. Ali, em exposição quase de desafio: calcem-nos!
E que sabemos nós do que os olhos dos outros vêem e traduzem em palavras?

bettips disse...

Também gostei muito, de andar à volta do olhar, do que sabemos e do que adivinhamos. O que nos questiona. E cega, de explicação cabal.