quinta-feira, maio 02, 2013

12. Rocha/Desenhamento



             Tinha
    
«Tinha chegado meia hora antes à cidadezinha do sul, descera durante a madrugada do "comboio correio", tomara a carrinha do Chico Loulé, que fazia a ligação entre a gare ferroviária e o velho burgo situado a dois quilómetros, subindo contra o frio as ruas da memória medieval e acabando por parar diante da casinha tantas vezes revisitada, do tempo em que estudava em Lisboa, outras horas, outras idades, a família ainda viva a receber-me com grande alarido. Desta vez, mais uma vez, voltava para umas férias curtas e olhava a janela do lado direito da casa, arranjada até ao limite do possível, pintada e conservada com algum desvelo, com os mesmos materiais de há 75 anos. Antes de me adiantar para a porta, pensava com melancolia no desinteresse do país e dos proprietários pela conservação de pequenos e grandes patrimónios que tanto caracterizam o rosto identitário das povoações, do país inteiro. Sem essas referências e símbolos, deixámo-nos colonizar em demasia e sepultamos o que de melhor, a vários níveis, tinha a nossa história e a nossa cultura.»

Rocha de Sousa

8 comentários:

agrades disse...

Antes o passado do que a doença...

Licínia Quitério disse...

A conservação da memória sem a qual não há futuro. Tão airosa a janela!

M. disse...

Um texto muito belo de memórias. E também uma reflexão importante sobre o esquecimento e como ele corrói a existência humana na sua pressa de viver ignorando a vida de uma época anterior.

Benó disse...

Uma bonita janela, bem pintada ou caiada.

mena maya disse...

Uma bela janelinha,que me fez lembrar o jogo dos cordéis que fazíamos com os dedos,tirando com jeitinho das mãos uns dos outros,formando sempre novas figuras...

Justine disse...

Texto em tons melancólicos e serenos, tal como serena é a imagem da janela, que nos remete para tempos passados...

Luisa disse...

A falta de dinheiro é muita vez a causa de não se conservar o património

bettips disse...

Um bocadinho de sol preso na janela, esperando soltar-se das grades, viajando na memória.
O texto, assertivo, lembra-nos que desaparecendo estes símbolos antigos, desaparecem bocados do que fomos.