quarta-feira, maio 13, 2015

4. Licínia



RESTARA APENAS... 
... a lembrança das vozes das crianças no pátio da escola, paredes meias com a formosa quinta. Das flores, assim chamada. Viva, a memória das devassas inocentes da propriedade, aproveitando a velhice do portão. À saída da escola, no fim do Inverno, os renques de camélias, vermelhas, brancas, bicolores, atraíam as mãos das meninas, corpito esticado, em bicos de pés, ofegantes do prazer proibido. Os meninos, mais corpulentos, mais afoitos, alongavam os passos, carreiro fora, e iam à colheita das laranjas. Sobejas vezes, o latido de um cão matara a ousadia e fora um pernas-para-que-vos quero, laranjas pelo chão, talvez uma na mão e outra já presa nos dentes, o raio do cão havia de as pagar.
- Tanta coisa mudou na Quinta das Flores, disse ela. Ainda lá estão as camélias, as laranjas também. Não há o cão, mas os miúdos não se afoitam, como dantes, pelo caminho rente ao muro, até porque um arame farpado ameaça agora atrevimentos.
Por muito que se tivesse esforçado, não conseguira perceber porque é que a escola já lá não estava. Mandaram-na embora. Talvez já não prestasse. 
Licínia

3 comentários:

Luisa disse...

Este texto trouxe-me à memória as minhas idas e vindas da escola onde inventava sempre uma malandrice para fazer. Também a minha escola já não existe.

Justine disse...

As nostalgias da nossa infância! As escolas antigas já não prestam, os meninos e meninas agora passam o tempo com tablets e telemóveis e nem veem nem as laranjas nem as camélias...

bettips disse...

A minha escola (de cidade) existe, fui lá e o portão era tão pequeno, o corredor tão estreito, as lembranças tão antigas...
Um dia, as escolas terão de novo crianças, serão edifícios vivos e não contraplacados ao monte.