quinta-feira, dezembro 19, 2019

8. Mónica

"Chegara ali no dia de Natal e constatara, com uma mistura de pasmo e comiseração, que o comandante da corveta, Álvaro Andrea, tinha convertido o aquartelamento num lugar de celebração cristã. Chapas de zinco tinham sido usadas para servir de tampos de mesa e troncos foram convertidos em assentos. Cartucheiras vazias e fitas de metralhadoras enfeitavam uma árvore no centro do recinto.
Aquela fantasia natalícia surgia patética aos olhos do capitão de cavalaria. E revelava não uma particular devoção cristã mas uma perigosa fragilidade. Se os chefes militares fossem pelo caminho da encenação, cedo os soldados pediriam mentiras maiores. Para acertarem naquele fingimento de Natal faltava-lhes o frio, a neve e os cheiros da sua terra. Em contrapartida sobravam os mosquitos, as febres e os odores fétidos do pântano."

Volume III "O bebedor de horizontes" (pág. 34 e 35) da trilogia "As areias do Imperador" de Mia Couto, Fundação Fernando Leite Couto.

2 comentários:

Justine disse...

Uma delícia de passagem! Uma (mais uma)obra magnífica de Mia Couto, a trilogia "As areias do Imperador", onde mostra o colonialismo por um outro prisma, diferente do habitual

M. disse...

Um livro que apreciei. O outro lado do colonialismo. Imperativo conhecê-lo.