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quarta-feira, setembro 16, 2020

3. Jawaa

D

Da vida que vivi, olho para trás e os meus olhos querem chorar, foi tudo tão dorido, tão amarfanhado cá dentro, aquele menino que tanto desejei ainda antes, muito antes de ele ser gente, aquele menino a quem eu queria chamar Eduardo, porque deveria ser a continuação daquele pai estremecido, porque deveria ser lindo como o irmão que aprendi a amar por sobre a inveja, a inveja que sempre senti dele por ter nascido homem e lhe ser permitido tudo o que eu desejava e a mim era interditado.

Pai, quero fazer xixi.

Parava a carrinha e saíam os dois, aliviavam-se atrás de uma árvore próxima, por vezes encostados ao carro e voltavam a seguir, tranquilos. Eu nem me atrevia a pedir o mesmo, já sabia que era preferível aguentar até chegar a casa, tais eram os impedimentos. Ninguém nos podia ver agachadas, era feio, teríamos de entrar na mata, ficar atrás de uma moita ou de um pedregulho. E acrescia a dificuldade de tentar não molhar os pés…

Só a adolescência me fez esquecer esse sentimento de menina mimada quando lhe dava o braço, ufana, nas idas e vindas do colégio, o meu irmão mais velho que me achava bonita, o meu irmão que perdi tão cedo, o irmão que eu queria ter comigo… agora.

Jawaa

5 comentários:

  1. Anónimo17/9/20

    Belas e tristes recordações
    Luisa

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  2. Tão belo esse discorrer sobre a tua infância. E uma nostalgia pela perda, tão sentida.
    Ficam-te as memórias ternas que connosco quiseste partilhar.
    E agradeço.

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  3. A infância que nos acompanha pela vida fora deixando todo o tipo de marcas.

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  4. Aquelas saudades que nunca morrem, as feridas que se transformam em cicatrizes mas que continuam a doer...

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  5. há aqui 3 personagens masculinos certo? peço desculpa mas não sei se percebi bem a história.
    coincidência o meu filho chama-se Eduardo

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