“Pico, pico, serenico, quem te deu tamanho bico”, dizia a avó, as mãos pousadas na saia preta de viúva de muitos anos, e a menina tentava acompanhar o ritmo da lenga-lenga com os deditos minúsculos beliscando, entre o indicador e o polegar, as pregas da mão velhinha, com manchas castanhas e estradas azuis sob o véu da pele. Gostava a menina daquela mão, diferente da sua, diferente da mão da mãe, com as pregas que os seus deditos iam pegando, aumentando, desfazendo, “pico, pico, serenico”. Ficou-lhe o retrato da mão da avó, tão bonita, tão disponível, sossegada no colo, na cadeira baixinha, e a voz macia a repetir, “pico, pico, serenico, quem te deu tamanho bico” e o resto que esqueceu. Não pode lembrar-se de tudo, mas as mãos da avó permanecem com ela, como se fossem as suas.
Licínia
Adoro o que escreves e como escreves, Licínia.
ResponderEliminarÉ meu ofício, Margarida. Diria, meu vício. A tua opinião é reconfortante.
ResponderEliminarBonita recordação
ResponderEliminarLuisa
eu digo bico bico sardanico, e pela cantilena confirma-se que já sou avô ahahhaahah
ResponderEliminarBem bonita esta homenagem à avó.
ResponderEliminarComovente texto, Licínia.
ResponderEliminarBonito texto.
ResponderEliminarTeresa