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quinta-feira, dezembro 20, 2012

11. Rocha/Desenhamento

Escrevi, num dos meus blogues, que a palavra pensa a imagem. Imagino, pelo percurso da mobilidade visual, que as imagens também dizem a palavra ou as palavras, não precisando de mil para ter a devida validade. É o que me acontece com esta magnífica fotografia, o mar e nele meio submersa uma indelével aparência. A consciência apreendeu tudo, a memória fez o resto, mas o imaginário fez-me escrever: «um pássaro picando a água, as penas do leque erguidas atrás». Voltando a mim, ou recompondo os meios da mobilidade visual e do reconhecimento pela memória-com-palavras, logo me defrontei com aquilo a que chamarei, por agora, um plácido naufrágio, entre abandonos e velhas desnecessidades. O barco, meio submerso num mar calmo, à frente de uma brisa que arrepia as águas, descansa, contextualizado, como qualquer outra carcaça de qualquer animal remoto. Mas é de um barco suspenso na água do mar, lisa à volta dele, antes de se afundar por completo na sua sepultura oceânica, logo coberto pela terra-mar e sem flores. Agora ainda respira com a ponta da proa e o levantamento da poupa, três muretes de cordame e remos, a marca do homem boiando ainda dentro dele, uma simples garrafa. A garrafa é de uma realidade recente e o barco não será muito velho. Mas parece, indefectivelmente, a imagem mítica das antigas embarcações fenícias, sobretudo de função fluvial, forma lírica e melancólica.

Rocha de Sousa

7 comentários:

  1. Dentro do barco-pato ou pato-barco (bela imagem) bate ainda um coração, o pensamento navegará já, quem sabe, as memórias das aventuras vividas...

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  2. Gostei muito do "pássaro picando a água..."

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  3. Um belo flutuar
    entre palavra-imagem-palavra

    e imagem, ilusória palavra onde se definem os olhos.

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  4. Qual garrafa? Seja como for, um bom texto com alusões míticas bem interessantes.

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  5. Boas Festas, Rocha/Desenhamento.

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  6. do Zambujal25/12/12

    Que são as palvras senão imagens?
    Gostei destas!

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