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quinta-feira, janeiro 02, 2014

10. Rocha/Desenhamento



                      Pas...


Passando por terras abandonadas, num pasmo de domingo e no azedume dos seus próprios passos, o homem esquecido procurava vencer a vertente da paisagem, montanha após montanha, carregando sobre as costas a pedra que era sua entretanto, coisa informe atada por uma rede de cordas que ele agarrava com as duas mãos abaixo enlaçadas abaixo do peito encovado. E assim chegou ao cimo do monte mais alto daquele dia, rugindo de dor e raiva, a deslaçar as mãos num gesto largo, ao alto, passo em frente, e a pedra tombando atrás, ruído abafado pela terra e pela teia das cordas. O homem ficou suspenso de um cansaço sem nome, tomou nas mãos a folha onde apontava todos os carregamentos de todos os dias. Balbuciou: um milhão e quatro. Um ruído nas suas costas alertou-o de súbito, voltou-se para ver a pedra rolando devagar, atroadora, com as cordas rodando em pontas soltas. Afastava-se e perdia-se, a pedra, numa nuvem de pó. O homem murmura: um milhão e três.

Rocha de Sousa

7 comentários:


  1. A pedra é nossa, temos de saber conviver com ela e não tê-la por inimiga.
    Torna a tarefa mais fácil.

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  2. O "mito de Sífiso" por toda a eternidade, aqui descrito na realidade de hoje: são tantos os passos e esforços inúteis que damos ainda!

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  3. PASsatempo invulgar...

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  4. Este mito apavora-me

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  5. O nosso trabalho de todos os dias, até ao fim dos tempos...

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  6. Talvez o que nos vale é que, apesar de tudo, a pedra não cairá sempre do mesmo modo.

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  7. Um mito que deverá ter dado que pensar a Freud.

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