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quinta-feira, dezembro 16, 2021

9. Mónica

A minha relação com gatos começou quando para contrariar a minha mãe (anti-bichos em casa) arranjei um gato, preto com manchas brancas, o Nico, que rapidamente fugiu. Muitos anos depois um colega de trabalho convenceu-me a adotar um gato da ninhada nascida no quintal da casa dele, o Salomão, a troco de não ser afogado. Passado pouco tempo trouxe-me uma gata de outra ninhada, a Salomé. O Salomão e a Salomé tiveram duas ninhadas no espaço de 2 ou 3 meses, a primeira ninhada foi parida na nossa cama e a segunda ninhada no armário da cozinha entre as panelas, mandamos esterilizar o Salomão. Da última ninhada não conseguimos despachar um gato, que nunca teve direito a nome, era o Salominho, gatinho danado e maluco, comia a comida toda e os pais ficavam à míngua, aquela amostra de gato, atrevido, dominava os pais. Um dia caiu da varanda e nunca mais o vimos, teve um fim triste e mal contado. O Salomão e a Salomé foram os meninos da casa até nascer o Menino, por questões de higiene e segurança, passaram a viver entre a sala e a cozinha e a dormir na varanda numa casota feita de placas de isolamento térmico. O Salomão tranquilo e brincalhão, a Salomé soberba e esquiva, assim que me sentava o meu colo era disputado por ambos, vinha um de cada vez, andavam às voltas, eu esperava que chegassem a um acordo de partilha de espaço, enrolavam-se um no outro, yin e yang, amarelo e branca, depois o Menino começou a querer também encaixar-se, e a Salomé cedia o espaço dela, como quem diz não entro em disputas, punha-se atrás da minha cabeça, no topo do encosto do sofá, linda, peluda, próxima dos meus pensamentos, é isso Salomé, deixa-os, ficamos aqui as duas, tête-à-tête. Viveram cerca de 15 anos, primeiro foi-se o Salomão, enterrei-o, dentro de uma caixa de sapatos de cartão, na sombra de um pessegueiro nascido dos caroços que eu atirava da varanda para a terra, cavei a terra com uma pá de jardinagem pensando raios partam, pegar no corpo duro, seco, metê-lo na caixa e depois fazer de coveira. A Salomé foi eutanasiada em estado avançado do cancro, soubemos que tinha um cancro numa ida de rotina ao veterinário para lhe cortar o emaranhado de pelos, talvez o seu desleixo na manutenção da trunfa fofa e grande fosse um aviso que não estava bem e nós não percebemos. Os gatos fizeram parte da minha vida transmontana, mostraram-me um pouco do mundo animal que desconheço, afetuosos quando lhes apetecia e pouco ralados com a minha pessoa, como eu gosto, sem admirações nem dependências canídeas, provocaram momentos engraçados e memoráveis, naquela fronteira da tentação de humanizá-los e respeitar a sua natureza: a Salomé foi algumas vezes com a minha filha para a escola, vestia-lhe as roupas das bonecas, o Salomão era a vítima das brincadeiras do meu filho, cauda e bigodes sofredores. Aqui está o Salomão num desenho feito pelo Menino, ele desenhou o gato e eu o tapete, vejo-o como se fosse hoje.

Mónica

5 comentários:

  1. Ficam no nosso coração, pertencem à nossa vida e dela nunca saem! Os gatos, os animais perfeitos!

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  2. Anónimo17/12/21

    Fico com remorsos de nunca ter tido uma vida dedicada aos gatos como aqui algumas das amigas contam. Sempre tive medo deles. Sei lá o que pensavam de mim?
    Luisa

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  3. Que belo descrever, Mónica! Parabéns que me fizeste lembrar "meninos" e gatos familiares.

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  4. Devias escrever mais vezes, Mónica! Excelente texto!

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  5. Gosto muito deste texto. é cheio de alma. E o desenho do Menino é uma ternura.

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