quinta-feira, novembro 12, 2015

8. M.



Aquela casa com ele ali, pensei, embora sem fazer a mínima ideia quem eram, apenas mera conjectura minha baseada num casual encontro de rua. Estando o Sacré Coeur por perto como cenário a acentuar sentimentos e inspirador das coisas sagradas que o coração guarda, à primeira vista não me pareceu estranho. Só depois, perante a vasta equipa de técnicos, máquinas fotográficas, conselheiros de imagem, maquilhadores, fui levada a crer que se tratava possivelmente da composição elaborada de algum anúncio a publicar em revista de moda, canal de televisão ou agência de viagens. Paris, o lugar de sonho ao seu alcance. Até o sorriso estático da noiva me pareceu afinado para o projecto. Pelo menos o dela seria, ao noivo só o vi de costas. Claro que me lembrei também do Museu Grévin e do Madame Tussauds London. Uma hipótese a considerar, muitos de nós desejamos passar à posteridade, nem que seja embrulhados no diáfano tule branco da fantasia. Ui, só a trabalheira que deve ser organizar a conservação de tudo aquilo lá pelos museus! Avaliar o lugar ideal para colocar os corpos ceráceos de gente famosa, escolher os trajes emblemáticos de cada um, mantê-los em bom estado, retocar-lhes a maquilhagem, pentear-lhes as cabeleiras de acordo com a postura preferida em vida. Sei lá, um infindável número de gestos necessários para que cada celebridade continue a apresentar-se como melhor agrada ao seu público. Enfim, a cena deve tornar-se quase tão real que não me admiraria se algum funcionário aproveitasse a proximidade oferecida por essa corte de tarefas para finalmente poder manifestar o seu apreço pela sua figura de eleição, ou até mesmo esclarecer dúvidas quanto à razão da notoriedade deste ou daquele colunável. Mas suponho que sem sucesso na resposta desejada, a mudez das expressões só falará certamente na imaginação dos curiosos.
Bom, voltando aos noivos em êxtase, espero que se tenham cansado de se olhar a mando de estranhos. Não, escrevi bem a palavra, amando de verdade é outro conceito e outra vivência. 
M

5 comentários:

Luisa disse...

Muito interessante o texto e a foto. A beleza do par contrasta com o portão o sinal de trânsito e o carro. E lá se vai todo o romantismo da dança do par.

Justine disse...

As viagens que a tua sensibilidade pode fazer à volta daquela casa...

bettips disse...

Imaginação à solta. Uma casa em Paris-postal, em Paris-sofrida-hoje.
Talvez (eles)se venham a amar. E tu, pelo menos, imortalizaste-os em fotografia. Bela e leve, contrastando com a prosa densa.
(é curioso que vi por lá alguns pares destes, geralmente chineses? ou japoneses?; ainda havemos de confrontar as nossas fotos da época!)

Anónimo disse...

Muito interessante e imaginativo o texto à volta desta fotografia

Teresa Silva

Zambujal disse...

Excelente este jogo com as palavras para contar (uma, duas, três) coisas vistas, previstas ou pressentidas. Tudo a casar muito bem, ou a acasalar... Por acaso? Não, e para aqui te amando os parabéns!