segunda-feira, novembro 07, 2005

Porque estou a lê-lo...

«Nós combatemos a nossa superficialidade, a nossa mesquinhez, para tentarmos chegar aos outros sem esperanças utópicas, sem uma carga de preconceitos ou de expectativas ou de arrogância, o mais desarmados possível, sem canhões, sem metralhadoras, sem armaduras de aço com dez centímetros de espessura; aproximamo-nos deles de peito aberto, na ponta dos dez dedos dos pés, em vez de estraçalhar tudo com as nossas pás de caterpillar, aceitamo-los de mente aberta, como iguais, de homem para homem, como se costuma dizer, e, contudo, nunca os percebemos, percebemos tudo ao contrário. Mais vale ter um cérebro de tanque de guerra. Percebemos tudo ao contrário, antes mesmo de estarmos com eles, no momento em que antecipamos o nosso encontro com eles; percebemos tudo ao contrário quando estamos com eles; e, depois, vamos para casa e contamos a outros o nosso encontro e continuamos a perceber tudo ao contrário. Como, com eles, acontece a mesma coisa em relação a nós, na realidade tudo é uma ilusão sem qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensão. E, contudo, que fazer com esta coisa terrivelmente significativa que são os outros, que é esvaziada do significado que pensamos ter e que, afinal, adquire um significado lúdico; estaremos todos tão mal preparados para conseguir ver as acções íntimas e os objectivos secretos de cada um de nós? Será que devemos todos fecharmo-nos e mantermo-nos enclausurados como fazem os escritores solitários, numa cela à prova de som, evocando as pessoas através das palavras e, depois, afirmar que essas evocações estão mais próximas da realidade do que as pessoas reais que destroçamos com a nossa ignorância, dia após dia? Mantém-se o facto de que o compreender as pessoas não tem nada a ver com a vida. O não as compreender é que é a vida, não compreender as pessoas, não as compreender, não as compreender, e, depois, depois de muito repensar, voltar a não as compreender. É assim que sabemos que estamos vivos: não compreendemos. Talvez o melhor fosse não ligar ao facto de nos enganarmos ou não sobre as pessoas e deixar andar. Se conseguirem fazer isso − estão com sorte.»

Pastoral Americana, Philip Roth


M

10 comentários:

Anónimo disse...

Já o deves ter acabado...

Anónimo disse...

:-)

None disse...

tema muito actual e bem visto.
o autor? nada sei dele...

Anónimo disse...

Eu também não conhecia, L. É o primeiro livro dele que leio. Estou a gostar imenso, ainda que seja um livro difícil. Nem sempre lhe consigo pegar, exige muito esforço mental e faz doer cá dentro.

Anónimo disse...

Conheço pouco dele mas gostei especialmente deste excerto dentro do teu excerto: "Será que devemos todos fecharmo-nos e mantermo-nos enclausurados como fazem os escritores solitários, numa cela à prova de som, evocando as pessoas através das palavras e, depois, afirmar que essas evocações estão mais próximas da realidade do que as pessoas reais que destroçamos com a nossa ignorância, dia após dia? Mantém-se o facto de que o compreender as pessoas não tem nada a ver com a vida. O não as compreender é que é a vida, não compreender as pessoas, não as compreender, não as compreender, e, depois, depois de muito repensar, voltar a não as compreender."
Boas leituras!
:)

Anónimo disse...

Obrigada pela visita, Amante de letras. Este livro é mesmo muito bom. Ui, mas pesa tanto!

isabel mendes ferreira disse...

excelente leitura....se todos soubessem ler....abraço.

Anónimo disse...

mendes ferreira: Agradeço a visita. Este blog está um bocado parado. A minha intenção era partilhar com os outros as mimhas leituras e o que nelas me maravilhou ou fez pensar, mas tenho andado dispersa.

por um fio disse...

É mesmo assim...
Ofereci recentemente um livro deste autor a uma amiga, porque ouvi falar muito dele. Vou averiguar se foi este e se ela também está a gostar. Mas, eu ainda não li nada dele. Acho que vai ser a minha próxima compra. Se o conheces bem, por que livro deveria começar?
Beijo
Tenho quer vir aqui mais vezes. Gosto deste tipo blogs. Sabes que quando criei o meu primeiro blog, o meu objectivo era mesmo e só o de tertúlia literária como amigas.

Anónimo disse...

T.:
Deste autor só li este livro e comprei o outro "Mancha Humana" (julgo que é esse o nome) mas emprestei-o antes de o ler. Deste gostei muito mas é um livro pesado. É preciso ter alguma "disponibilidade" mental pois que exige um bocado de esforço, e há momentos às vezes em que preferimos uma leitura menos trabalhosa e mais recreativa.
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Este blog tem andado um bocado abandonado... No entanto, já várias vezes, quando estou a ler um livro, me tem apetecido vir aqui deixar o meu entusiasmo, mas depois são tantos os pedaços que me agradam que se torna difícil escolher. Mas sabes, eu gosto imenso de partilhar as leituras com outras pessoas. Pequenos detalhes, uma palavra ou uma frase de que gostei, a poesia nelas contida, uma ideia, etc.
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Aquele outro livro que refiro num post aí em baixo "La Transe des insoumis" é belíssimo. Recomendo vivamente. Dela também li "Les Hommes qui marchent" de que também gostei.