sexta-feira, maio 19, 2006

Porque achei interessante...

“… Henry desvia os olhos, concentrando-se na carne branca sem sangue e nas formas prateadas sem vísceras, cujo olhar não é acusador, e nos peixes de profundidade dispostos em hábeis filas sobrepostas de um cor-de-rosa inocente, como páginas de cartão do primeiro livro de um bebé. Naturalmente, o Perowne pescador tem lido a literatura mais recente: na cabeça e no pescoço da truta há muitos nociceptores polimodais iguais aos nossos. Houve tempos em que se pensava comodamente que, para nosso benefício, estávamos rodeados de autómatos comestíveis em terra e no mar. Afinal, sabe-se agora que até os peixes sentem a dor. É esta a complicação cada vez maior da condição moderna, o círculo em expansão da compaixão moral. Não somos apenas irmãos e irmãs de povos distantes, mas também de raposas e dos ratos de laboratório, e agora até dos peixes. Perowne continua a pescá-los e a comê-los e, embora não fosse capaz de meter uma lagosta viva em água a ferver, não tem qualquer problema em pedir uma num restaurante. Como sempre, o segredo, a chave do sucesso e do domínio humano é ser selectivo nas compaixões. Por muitas coisas que se digam, é o que está à mão, o visível, que exerce a força que tudo domina. E aquilo que não se vê… É por isso que na amável Marylebone o mundo parece tão profundamente em paz.”

Sábado, Ian McEwan

sábado, maio 06, 2006

Coisas minhas (Foto de M)






















Noite das coisas, terror e medo
Na aparente paz dispersa
Sobre as linhas caladas.
Efeitos de luz nas paredes caiadas,
Gestos e murmúrios de conversa
No mundo estranho do arvoredo.

Poesia, Sophia de Mello Breyner Andresen

Colecção Poesia. Edições Ática.

quinta-feira, maio 04, 2006

Quando não havia aspirador... (Foto de M)

... em casa dos meus pais, usava-se este arrendado para bater nos tapetes. Não me recordo com que frequência, mas havia lá em casa quem os debruçasse nas varandas das traseiras a umas determinadas horas permitidas pela fiscalização camarária e lhes batesse com fúria. Imaginem, bater-lhes, depois de os pôr à janela a apanhar ar e de lhes proporcionar vistas mais desafogadas que as dos sapatos e as das mesas e cadeiras! Adivinho-lhes o espanto. Mas a causa, afinal, era boa: aliviá-los do peso leve do pó. Uma prevenção contra alergias à limpeza doméstica, também: as do tapete (talvez, quem sabe) e as dos vários moradores da casa (de certeza, sei eu).
Agora, existirá ainda gente que usa este objecto, penso eu. Gente com força nos braços e nas mãos, pois que ela é precisa, se bem me lembro. Ou seria a minha força de menina que era demasiado frágil? Não sei. Este comprei-o eu novinho em folha (em renda, dir-se-á com mais propriedade) porque achei que essa memória merecia ser pendurada na parede. Para eu continuar a segurar nos ouvidos aquele som cavo que ecoava sobre a rua e rever as nuvens cinzentas que se soltavam dos tapetes e voavam em direcções para mim desconhecidas, a desfazerem-se pelo caminho.
M

terça-feira, maio 02, 2006

Ousadia... (Foto de S)




Este postal de Mordillo faz companhia ao outro daqui de baixo, numa parede para onde olho amiúde.

Ah pois, as flores!... (Foto de S)




Um postal que, como o de cima, conservo emoldurado e em lugar de destaque. Lamentavelmente, não me lembro do nome do seu autor.