quinta-feira, dezembro 02, 2021

4. Licínia

CÃO

Cão passageiro, cão estrito,

cão rasteiro cor de luva amarela,

apara-lápis, fraldiqueiro,

cão liquefeito, cão estafado,

cão de gravata pendente,

cão de orelhas engomadas,

de remexido rabo ausente,

cão ululante, cão coruscante,

cão magro, tétrico, maldito,

a desfazer-se num ganido,

a refazer-se num latido,

cão disparado: cão aqui,

cão além, e sempre cão.

Cão marrado, preso a um fio de cheiro,

cão a esburgar o osso

essencial do dia a dia,

cão estouvado de alegria,

cão formal da poesia,

cão-soneto de ão-ão bem martelado,

cão moído de pancada

e condoído do dono,

cão: esfera do sono,

cão de pura invenção, cão pré-fabricado,

cão-espelho, cão-cinzeiro, cão-botija,

cão de olhos que afligem,

cão-problema…

Sai depressa, ó cão, deste poema!

 

Alexandre O’Neill

 

Licínia

8 comentários:

Anónimo disse...

Uma poesia bem escolhida
Luisa

Mónica disse...

Não sabia que os cães também cruzam as patas, acha piada a esta "pose"

Margarida disse...

Os cães cruzam muito as patinhas, Mónica. Ficam o máximo.
Gosto principalemnte de onde se deitou: pedra preta, quentinha!
Pouco espertos, são!

M. disse...

Um poema elucidativo das diversas personalidades dos cães e do bicho homem. Interessante escolha.

bettips disse...

Muito giro, uma lenga-lenga bem acutilante. Desconhecia este poema de O´Neill.

Justine disse...

Que encanto, esse hino aos cães! E ainda bem que o cão não saiu do poema...

mena maya disse...

parece estar deliciado a ouvir-te, Licínia!

Anónimo disse...

O grande humor deste poeta.

Teresa