Com o que tenho à mão no arquivo de fotografias, lembrei-me de um certo cão de loiça sobre um telheiro em Maiorga, passei por lá em trabalho, lugar sem graça, mas aquele cão de loiça chamou-me a atenção pelo despropositado e fotografei-o. Aquele cão ali posto representa cinquenta por cento dos cães: guardas, amarrados, no fundo do quintal, malgas de ferro aos trambolhões, num vai e vem de prisioneiros ao ar livre, ladram a quem passa, não sei se para meter medo ou se a pedir socorro, abandonados, ao frio, ao calor, ao sol, como é que é possível ser testemunha de uma vida inteira de um animal vivida assim, preso a uma corrente, já fiz esta pergunta a uma amiga que diz que gosta de cães. É assim. Aquele cão por ser de loiça representa os outros cinquenta por cento dos cães: os urbanos, ou suburbanos, os bibelots de carne e osso, que seguem os donos, dormem, comem, vivem nos apartamentos, nas varandas, comem biscoitos, uma mistela seca processada sabe-se lá com quê, passeiam de trela nos jardins, nos passeios, obedecem a ordens, senta, pouco barulho, cala-te, aqui já, não faz mal só gosta de brincar (e entretanto já me babou as calças e o meu dia de trabalho ainda não acabou, pode ser que na próxima casa haja outro cão para se deliciar com o cheiro do seu em mim), vestidos para o inverno, capas de chuva, banhos, saquinhos de plástico... A mim parece-me que os cães são uns desgraçados, de uma forma ou de outra acabam nas garras do Homem, sujeitos aos maus feitios, caprichos, agressividades, desejos de obediência cega vs fidelidade absoluta, são uns palermas os cães, umas almas ingénuas e crentes nos seus donos, haja o que houver, sempre felizes de os verem, aos pulos aos saltos e com vontade de brincar, obedientes, prestáveis, mil vezes vão buscar o pau e voltam. Para ser assim, vida de cão e que dizem ser o melhor amigo do Homem, então que seja mesmo em loiça. Belo canito de loiça de Maiorga estás mesmo aí bem.
Mónica
7 comentários:
Não posso estar mais de acordo. E dizem essas pessoas que gostam muito de cães!!!! Do que gostam é de ter alguém sujeito aos seus caprichos.
Luisa
Lembra-me 1 Dalmata (de loiça, claro!), imponente, senhor de si, muito brilhante e sempre afagado, à entrada de 1 mini-apartamento no Lavradio, com vistas p/ o Lidl e p/ o Aldi. Bem localizado, portanto.
Havia também muitos naperôns e berloques. O canídeo ocupava mais de metade da largura do corredor de entrada, já de si exíguo, o que nos fazia encolhermos as barrigas e roçarmo-nos pela parede oposta. Era difícil passar ali.
Ao entrarmos, dizia a dona (a do cão e a do apartamento): "Cuidado com o cão!".
E nós tínhamos cuidado, não fosse ele morder-nos.
Vivam os cães de loiça!
Gosto muito deste texto. Também estou de acordo com o que dizes. E a fotografia é um bom complemento.
Completamente "gostado" este teu texto e divagações. São mesmo excepções os que são bem tratados.
Mónica, o teu texto vem totalmente de encontro ao que penso sobre o assunto, e por isso te recomendo um dos últimos livros de Arturo Pérez-Reverte, "Cães maus não dançam", Edições Asa, que confirma em ficção a crueldade do homem para com os cães. Um livro violento mas muito correcto.
Concordo inteiramente com o texto. Mais vale ter um cão de loiça e a fotografia fui muito bem apanhada, original.
Teresa
Tens razão, Mónica, infelizmente os cães por serem tão dóceis e dedicados sofrem muitos abusos. Por falta, mas também por excesso de cuidados.
A dona-mor da Lilly, até queria que ela aprendesse português, mas só a ouvi labrar em alemão :)
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