quarta-feira, novembro 07, 2012

11. Rocha/Desenhamento



Gosto de ficar perto da janela, a espreitar a mudança das horas e das imagens, envolvido num silêncio ligeiramente crispado pelos ruídos difusos que emergem da distância urbana. Por vezes, volto a reflectir nos enganos do espaço além, relendo futuros perigosamente anunciados e revendo o martírio da Síria, todas as dores que ardem por cima da paisagem, todas as assimetrias que dividem os homens e a cultura, tudo o que começa a afundar os caminhos da civilização, a própria Cidade. A convulsão actual leva à substituição silenciosa dos símbolos perenes da vida por novos deuses de rostos mafiosos, entre quotidianos onde passam multidões acenando bandeirinhas de mil protestos, sem nada de sagrado. São imagens pueris da revolta e do medo, desafiando os grandes estandartes das corporações em redor. A arte não passa por aqui mas já se encontra sob a mira industrial. Hoje já pouco se guarda, em certos casos nada. A própria beleza torna-se descartável, acaba por sucumbir ao fim de uma vida bem curta. No futuro, talvez os museus do século passado, os da conservação patrimonial e das memórias supremas, terão de ser atirados para o espaço. 

Rocha de Sousa

5 comentários:

Justine disse...

Continuo a acreditar na arte e na Beleza como caminho para o aperfeiçoamento do homem e para o Bem!Continuo a pensar que há uma inter-acção entre Ética e Estética.

Luisa disse...

A Arte nunca desaparecerá. Pode haver mudanças mas quem poderá viver sem a Beleza?

Anónimo disse...

Observando o mundo que nos rodeia!
Agrades

bettips disse...

Da minha janela... apenas vejo uma árvore antiga, uma chaminé de fábrica velha em tijolo, avessos de casas com gente dentro, carros ao fundo. Não gosto.
Mas acredito que as Palavras, a Arte, a Beleza, nos vai salvando, todos os dias, um pouco. Uma criança, uma cornija, o sorrir de amigos, uma luz, um novo livro, um ramo retorcido, uma reconstrução conseguida, uma notícia feliz...
Quando fico desesperada de tantas convulsões, lembro-me deste "planeta azul" e da nossa breve passagem, tantos e há tanto tempo! Toda a terra que pisamos prenhe e feita de outros seres que nos precederam.

bettips disse...

(já depois de acabar "as respostas" e tendo visto as opiniões, atrevo-me)

Rocha de Sousa: calcula que nos privaste estas semanas tantas das tuas divertidas, tantas vezes melancólicas e bem estruturadas opiniões. Há sempre "um outro olhar"!
Relevo a tua presença agradável nesta roda que, como sempre digo, tantas vezes "nos acrescenta".