Dia
30 - Fotografando
as palavras de outros sobre
um excerto de um livro muito antigo. Lembram-se de Luís de Sttau
Monteiro? Eu achava-lhe graça.
«As
flores não se comem e é por isso que elas não têm medo de crescer
nos caminhos e nos parques porque se as flores fossem de comer já
havia grémio das flores e outras coisas iguais e vai de vez em
quando a gente ficava a vê-las por um óculo como acontece ao
bacalhau que não é flor e que se come mas as flores têm graça
porque não se comem mas bebem-se quando a Vovó começa a falar alto
ao jantar e a dizer mal dum senhor que se chama Kaiser e que parece
que já morreu mas ela não acredita e diz que a culpa de tudo é
dele a minha Mãe dá-lhe chá de flor de laranjeira e manda-a para a
cama e às vezes não é preciso chamar o doutor mas às vezes é
aqui ao lado mora uma senhora chamada D. Lisabete que tem flores num
caixote à janela e rega-as todos os dias com uma cafeteira que
comprou com tampas de detergente e mais cinco escudos que é o preço
da cafeteira mesmo para quem não tem tampas de detergente e a água
cai por um buraquinho que há no caixote em cima das pessoas que
passam na rua e elas ficam danadas e gritam cá para cima (...)»
Redacções
da Guidinha
(A
Flor),
Luís de Sttau Monteiro, Areal Editores, 2003
Compilação
de algumas “Redacções da Guidinha” publicadas no Diário
de
Lisboa
entre 1969 e 1970 e agora reunidas em volume por especial deferência
deste jornal.
(Como
seria impensável transcrever aqui o texto todo, tinha de parar esta
enxurrada de palavras em qualquer sítio mas confesso que me foi
difícil escolher onde.)
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