Dia
29 - Fotografando
as palavras de outros sobre
um excerto do livro Sinais
de Fogo:
«No
Bairro Novo, que atravessei, havia uma quietude matutina. Nas mesas
dos cafés só uns raros sujeitos gozavam da sombra ante uma cerveja.
Eram, como de costume, pais de família, que se recusavam a encher de
areia os sapatos na praia. Raramente pais tomavam banho, como aliás
as mães ou as tias. Nem mesmo eram olhados com bons olhos, pela
opinião das barracas, aqueles ou aquelas, raros, que o faziam. A
nudez exposta era coisa reservada à gente solteira ou muito jovem:
por extensão era tolerada ainda nos pares recém-casados. Ou então
era uma manifestação de inferioridade social, própria da gente dos
toldos (que, no entanto, muito empertigados nos seus banquinhos,
imitavam em tudo a das barracas) ou da saloiada do campo, que, ao
domingo, com grandes cestas de farnéis, que escandalizavam as
senhoras, invadiam a praia, para se banharem em grandes correrias e
gritos, atirando água e areia aos corpos desajeitados em que antigos
e bamboleantes fatos de banho eram resguardados por cuecas e por
camisas femininas que se colavam à carne. Por isso, ao domingo, de
manhã ou à tarde, as barracas ficavam vazias. E as famílias
passeavam na muralha, sem descer à praia, ou juntavam-se aos pais
nas mesas dos cafés. Aos dias de semana, ao fim da tarde, os maridos
costumavam aparecer, pelo menos alguns deles, avançando com grande
cuidado pelas pranchas de madeira, que levavam às barracas. E as
crianças deles tinham mesmo por missão especial e vespertina o
ajeitar das pranchas e o limpá-las da areia que jogos e correrias
houvessem acumulado nelas. Os senhores, de casaco e gravata,
abanando-se com os chapéus de palha, sentavam-se na frente das
barracas, entre as senhoras dos seus séquitos, e cumprimentavam-se
de umas barracas para as outras, como se mal se conhecessem uns aos
outros, das mesas dos cafés, e do casino para cujo bar, à noite,
todos mais ou menos se esgueiravam. E ficavam olhando o mar e a beira
de água onde, às vezes, uns pares de namorados se passeavam de mão
dada, recortados pelo sol-poente.»
Sinais
de Fogo (Parte
Segunda, VIII), Jorge de Sena, Guimarães Editores, 2009
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