quinta-feira, maio 29, 2014

O DESAFIO DE HOJE

Dia 29 - Fotografando as palavras de outros sobre um excerto do livro Sinais de Fogo:

«No Bairro Novo, que atravessei, havia uma quietude matutina. Nas mesas dos cafés só uns raros sujeitos gozavam da sombra ante uma cerveja. Eram, como de costume, pais de família, que se recusavam a encher de areia os sapatos na praia. Raramente pais tomavam banho, como aliás as mães ou as tias. Nem mesmo eram olhados com bons olhos, pela opinião das barracas, aqueles ou aquelas, raros, que o faziam. A nudez exposta era coisa reservada à gente solteira ou muito jovem: por extensão era tolerada ainda nos pares recém-casados. Ou então era uma manifestação de inferioridade social, própria da gente dos toldos (que, no entanto, muito empertigados nos seus banquinhos, imitavam em tudo a das barracas) ou da saloiada do campo, que, ao domingo, com grandes cestas de farnéis, que escandalizavam as senhoras, invadiam a praia, para se banharem em grandes correrias e gritos, atirando água e areia aos corpos desajeitados em que antigos e bamboleantes fatos de banho eram resguardados por cuecas e por camisas femininas que se colavam à carne. Por isso, ao domingo, de manhã ou à tarde, as barracas ficavam vazias. E as famílias passeavam na muralha, sem descer à praia, ou juntavam-se aos pais nas mesas dos cafés. Aos dias de semana, ao fim da tarde, os maridos costumavam aparecer, pelo menos alguns deles, avançando com grande cuidado pelas pranchas de madeira, que levavam às barracas. E as crianças deles tinham mesmo por missão especial e vespertina o ajeitar das pranchas e o limpá-las da areia que jogos e correrias houvessem acumulado nelas. Os senhores, de casaco e gravata, abanando-se com os chapéus de palha, sentavam-se na frente das barracas, entre as senhoras dos seus séquitos, e cumprimentavam-se de umas barracas para as outras, como se mal se conhecessem uns aos outros, das mesas dos cafés, e do casino para cujo bar, à noite, todos mais ou menos se esgueiravam. E ficavam olhando o mar e a beira de água onde, às vezes, uns pares de namorados se passeavam de mão dada, recortados pelo sol-poente.»

Sinais de Fogo (Parte Segunda, VIII), Jorge de Sena, Guimarães Editores, 2009

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