Há uns anos tive a sorte, uma sorte do tamanho de privilégio, de estar envolvida num projeto em Angola, mais concretamente um não-projeto à beira-mar, uma beira-mar que era uma baía com uma pequena aldeia de poucos casebres, restos da presença colonial, de uma pobreza extrema, sem água potável, havia umas poças de água, salobra como eles diziam, eufemismo para futuras doenças e mortes precoces por causa dos rins. Os aldeões/pescadores tinham como alimento principal e quase único (a juntar ao óleo, fuba, cerveja e não me lembro de mais nenhum) o Peixe pescado ali mesmo, com um fio de pesca sem cana, um anzol e um isco feito de restos de peixe ou pescado numa ida ao mar uns metros à frente num barco a remos. O peixe era seco ao sol e às moscas em tarimbas dispostas no areal, sem qualquer artifício ou técnica, uma forma de guardar o peixe, sem se estragar, até à próxima pescaria. Havendo carvão e grelhador pedi que grelhassem o peixe, o peixe acabado de pescar, morto ali, em sofrimento, à minha frente, o homem acocorado com uma faca numa mão a escamar o peixe vivo e a outra no peixe semi-pousado na areia da praia e depois lavado na água do mar. O peixe era grelhado até mais não, seco ao sol ou seco na grelha, tanto faz, horrível. Lembrei-me de um amigo que é cozinheiro de profissão e diz que cozinhar é uma coisa matar a fome é outra por isso em África ninguém sabe cozinhar. É capaz de ter alguma razão, cozinhar um peixe fresco na grelha requer carvão, grelhador, grelha, umas tenazes para ir virando o peixe, um certo jeito para não deixar secar e no fim regar com um fio de azeite, uns alhos picados, salsa, a acompanhar com uns legumes, num prato, com talheres, sentada à mesa, cadeiras, enfim muita parafernália desconhecida de possuir para quem é pobre. O Peixe perdeu o encanto.
Mónica
3 comentários:
Maravilhosa descrição, Mónica!
Um texto que apreciei pelo que nos mostra de uma série de realidades pesadas e de sobrevivência. Acho que foi mesmo um privilégio teres tido a oportunidade de conheceres essa parte da vida de muita gente.
Difícil ler o teu texto e depois pensar em comer peixe, Mónica…descrição violenta e muito realista, a tua!
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