quarta-feira, setembro 06, 2023

6. M

 

Verão

Memórias frescas destes meses de verão não sei se terei, pois que o calor de agosto foi insuportável. A rua fervia em poeira e obras. No prédio do lado, empoleirados no telhado, meia dúzia de homens retiravam as telhas velhas, verificavam a solidez das traves de madeira, substituíam as que tinham sucumbido de velhice no seu posto, aparafusavam as que pareciam desconjuntar-se, colocavam telhas novas. Uma a uma, todos os seus movimentos à torreira do sol, a transpiração escorrendo-lhes nos corpos curvados, dias e dias seguidos. Eles naquele inferno ao ar livre. Eu, resguardada na penumbra abafada que as persianas das janelas da minha casa me ofereciam, pensava em sombras e jardins. Por associação de ideias com outros trabalhadores braçais, lembrei-me da estátua O Cavador que em tempos fotografei no Jardim da Estrela por me ter impressionado. A posição do corpo, a expressão cansada do rosto, as rugas na testa, a aba corroída do chapéu, as veias salientes dos braços e mãos que seguram a enxada, a manga arregaçada da camisa suada… Gostei daquele homem de pedra humanizada remexendo a terra do canteiro desde 1913! Cem anos entre ele e os meus vizinhos de agosto no topo do prédio, um e outros no seu tempo de ser e estar. Não conhecia o autor desta estátua magnífica. Decidi então aproveitar a disponibilidade da minha curiosidade para procurar o nome do escultor e dessa maneira temperar esta coisa maluca em que as estações do ano parecem agora ter-se transformado. Encontrei-o: António Augusto da Costa Motta (Coimbra, 1877- Lisboa, 1956), conhecido por Costa Motta (sobrinho), nascido numa família de pintores e escultores de obra de renome. Valeu a pena este pedaço de verão abrasador! E preciosa é a leitura do que no link abaixo se conta sobre este escultor.

M

https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwjtnvjI1tyAAxXAxgIHHVRLBL4QFnoECCgQAQ&url=http%3A%2F%2Fwww.matriznet.dgpc.pt%2FMatrizNet%2FEntidades%2FEntidadesConsultar.aspx%3FIdReg%3D40508&usg=AOvVaw0EHr8WfepIZ31NhJVmkvh1&opi=89978449

5 comentários:

Justine disse...

O teu texto está excelentemente escrito, em jeito de conversa, com as frases fluidas, encadeadas entre si e equilibradas no seu todo.
A qualidade da escultura é equivalente à qualidade do texto.
E obrigada pelo link, lê-lo-ei mais logo.

Licínia Quitério disse...

Belo texto. Há muito que essa escultura me chamou a atenção. Obrigada pelo link.

Anónimo disse...

Lembrei a estátua e tantos sem estátua que trabalham à torreira do sol nestes dias que deviam ser de férias
LUISA

Anónimo disse...

Obrigada pelo link. Não me lembro da estátua no jardim da estrela. Já lá não vou há muitos anos.
Foi realmente um verão terrível com um calor insuportável e o texto ilustra muito bem a situação de quem trabalha e de quem está na penumbra.

Teresa

Mónica disse...

Conheço a escultura de passar, para a próxima vou ver melhor e levo a tua explicação. O calor do teu texto passou para fora e até me fez suar, felizmente trouxeste as sombras e as folhas do jardim da Estrela, e correu uma aragem.