Tirar as palavras da boca a alguém não me parece aconselhável. Há quem não aprecie ser antecipado na expressão do seu pensamento, uma espécie de roubo no seu tempo pessoal de ser e estar. Ui e então entre crianças crescem as queixas, os amuos, os ciúmes, as lamúrias. Eu é que quero contar a história toda, não és tu, eu é que vi o cão, eu também o vi, não viste, vi e sei o que lhe aconteceu, não sabes, mãe, pai, mandem calar a mana, não é justo… Alguns meninos até choram baba e ranho (os lenços de papel são úteis nestes casos), como estes do postal que a minha Mãe me enviou da Alemanha em 1952. E por acaso a menina com o cabelo escuro estilo punk, no lado esquerdo da fila do meio, até me lembra retratos meus com dois anos. Nessa idade eu não era pessimista nem de grandes choradeiras, e assim me mantenho, mas compreendo que certas situações nos façam perder a calma, como tirarem-nos as palavras da boca, por exemplo. Nem que seja pelo entusiasmo genuíno de alguém que me ouve por uma imaginada, ou desejada, concordância de ideias comigo, não gosto que isso me aconteça. Simplesmente porque os ouvintes às vezes não acertam no que pretendo dizer. Nem quando termino as frases, quanto mais no início ou a meio delas.
M
8 comentários:
Que postal tão estranho, safa-se a bebé-punk :))
E aquelas que nos interrompem: "já contaste isso"
Ou as que se apressam a contar o final da história ainda que não acertem.
Encontrei na net um postal igual ao teu, à venda por 6€ com a seguinte informação:
Ansichtskarte / Postkarte Die Pessimisten, weinende Kinder, Portraits, Collage
Erscheinungsdatum: 1934
Postal / Postal Os pessimistas, crianças chorando, retratos, colagem
Data de lançamento: 1934
Será que a data justifica o pessimismo?
O teu texto uma delícia M.
Lendo a Mena, acredito que aqueles bebés não saberiam o que vinha a seguir.
A alguns, se calhar, cortaram-lhe mesmo "a palavra".
O que dizes entendo como uma dessincronização entre pessoas e as conversas assim tornam-se uma maçada.
Mena:
Que engraçado teres encontrado essas referências sobre o meu postal. Sem dúvida a tua pergunta faz sentido. Já tinha pensado que vidas teriam tido os meninos naqueles anos terríveis. Sim, a alguns terão cortado a palavra, outros tê-la-ão tido de forma perversa e criminosa vida fora.
Também pensei na hipótese de lhe terem chamado pessimistas, por não haver motivo para não estarem satisfeitos no mundo "tão maravilhoso" como o daquele horrível regime nazi.
Texto excelente, vivo, pintado com ironia. Quase me apetece dizer que me tiraste as palavras da boca...
Pobres crianças já tão desiludidas
Luisa
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