terça-feira, outubro 18, 2005

Porque gosto muito deste livro...

«As tias sentadas, com as pontas das omoplatas unidas, as costas muito direitas coladas aos maples. Os lenços molhados apertados entre as mãos, longe dos olhos, as lágrimas nas mãos, não nos olhos. As lágrimas nos lenços de assoar…»

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««Os dias da ira, entende você?» − disse Antonino, dirigindo-se a Milene, separando as palavras, como se ela fosse surda, ou criança de tenra idade, e ele mesmo estivesse interessado em fazer-se entender. «Você não se julgue única, acontece a toda a gente. Pelo menos uma vez na vida, a ira desaba em cima da cabeça dum indivíduo. Não se sabe quem manda a ira, nem porquê, nem para quê, mas a verdade é que a pessoa está descuidada, e a ira vem. São dias em que um tipo, mal se levanta, dá logo de caras com o esterco da vida… E depois de repente desaparece, mas sempre leva consigo alguma coisa da pessoa que não devolve mais…»»

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«… Bonecas, suas bisnetas tinham tantas que nem se entretinham a embalá-las nem vesti-las, já era só contá-las. Bicicletas, cada um tinha sua, como se nenhuma delas conseguisse ser entalada entre as pernas de nenhum outro…»

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«… As suas mãos de pedreiros, endurecidas e gretadas, não mexiam bem nas cordas, não, mas mesmo tocando assim tão mal, conseguiam pressentir como deveria ser a perfeição…»


O Vento Assobiando nas Gruas, Lídia Jorge


M

quarta-feira, outubro 12, 2005

Pedaços de beleza escrita

«Sim, um nevoeiro veio, silencioso, como a sombra de que fazia parte. Veio uma massa de água fina que avançou sobre as coisas e ficou com elas. As manhãs ficaram suspensas e as tardes também…»

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«Afonso Leandro falava como alguém que pretende simplificar um assunto bastante complicado, mas deixando a complexidade à vista. Os holandeses, um pouco preocupados, rindo menos, falando menos dos pássaros e mais dos assuntos legais, o advogado português dos holandeses a desembainhar a sua perícia jurídica, as coisas a serem faladas em planos separados.
Primeiro, as questões que tinham a ver com o ordenamento da costa, segundo, as questões de permissão de ocupação de um prédio classificado, a troco de serviços, e dez contos por mês, e por fim as questões da alma. A alma humana, essa coisa complicada que ninguém definia, essa aragem sem direcção, aprisionada na vasilha do corpo.»


O Vento Assobiando nas Gruas, Lídia Jorge

M

terça-feira, outubro 11, 2005

Esse livro belíssimo...

«Sim, visto de longe, pouca importância terá. Chuva fina, estio e nevoeiro são só cenários, se acaso não atingem o coração dos homens onde as coisas acontecem. Mas em relação a Milene, convém referir que os dias estavam crescendo.»

O Vento Assobiando nas Gruas, de Lídia Jorge


M

sexta-feira, outubro 07, 2005

Um livro fabuloso

«C’est la nuit que l’absence est terrible. C’est dans l’insomnie que se creuse la lucidité. Dans la journée, la médecine et l’écriture m’absorbent totalement. Dans la journée, je soigne d’autres corps ou en écrivant me soigne moi-même de l’Algérie, de la gangrène affective. Je ne vois pas le temps passer. Mais la nuit revient avec le désespoir d’un pays. Les élancements des amours fantômes. Les silences éreintés.»

Em La Transe des insoumis, Malika Mokeddem


M

segunda-feira, outubro 03, 2005

Lindo!

«Les mots ont un grain comme on dit le grain de la voix, le grain de la peau, bien sûr, mais aussi, au fond, comme on parle des fous, des marginaux: chacun d’entre eux est un original, une pièce unique. D’avoir été prononcés tant de fois, déformés par les lèvres ou polis par les livres, de nous avoir émus dans la beauté des oeuvres ou la bouche d’autrui, ils ont acquis la densité et la profondeur merveilleuse d’une terre dont nous rêvons d’être un jour les archéologues: les mots sont faits de notre vie qui sédimente.»


Em
Quelques-uns, Camille Laurens.

M

sábado, outubro 01, 2005

Alley in the Rain

Ho Huai-Shuo

«Ho Huai-Shuo was born in Canton in 1941 and since early childhood was favoured with an extraordinary love and gift for music, literature and art. Without a teacher, he began to play the organ for the Christian Church in his native village and created mural size decorations for the annual Christmas festivities. During classes in school his “hand could not stop itching” and
he covered all the margins of his workbooks with drawings and sketches in spite of repeated warnings by irate teachers. In art classes, of course, he was invariably at the head of his class and when it became clear that art was to be his life, young Ho entered the middle school attached to a famous art academy. »

«When he entered college he had already determined to create a contemporary mode for Chinese painting. He was convinced that Western painting stresses realism and Chinese painting emphasizes idealistic expression,
hsieh-i, which subjective stance provides realms for expression of far greater freedom…»

Inner Realms of Ho Huai-Shuo, published in 1982 by Hibiya Co. Ltd.

Eu explico...

Isto é mesmo assim: palavra puxa palavra, ideia puxa ideia. A propósito, e na sequência do último post do Fotoescrita (www.fotoescrita.blogspot.com), senti uma enorme vontade de partilhar convosco algumas palavras da introdução do livro Inner Realms sobre o pintor chinês Ho Huai-Shuo, assim como estas cinco fotografias dos seus quadros. Foi difícil a escolha, pois que em todo o livro não há nenhum de que eu não goste. A começar pela causa da minha paixão de há muitos anos atrás que me fez entrar numa galeria de arte em Londres… Aqui está ele, para que me digam se eu não tenho razão: Alley in the Rain.
Começo assim este meu blog que, como mostra lá em cima no cabeçalho, é um atalho do
Fotoescrita. Não sei bem o que direi, o que trarei à vossa companhia, quantas vezes abrirei esta janela. Tenho esperança de que se torne um lugar de reflexão ou de troca de ideias, já que palavra puxa palavra. Ainda que no silêncio da blogoesfera.
M