sexta-feira, junho 22, 2007

Tão bonito! Um afago para a alma

ANIVERSÁRIO

Metade do tempo consumada
ou ainda mais.
No peito, a mesma fome, a mesma sede
do menino, do rapaz.
O mesmo olhar perplexo
o mesmo
sem resposta
gesto crispado interrogando.

(É dezembro
e noite e abro a janela
e vejo outras janelas iluminadas.
Ali há vida, como na rua, como
no campo, e no mar e nos velozes
aparelhos que cortam o espaço
e
talvez
noutros planetas e universos.
Como há incontáveis séculos e
provavelmente
amanhã. Mas tudo rápido
demais
que nem nos podemos saber
e partimos
no mesmo escuro em que chegamos.)

Perdi colegas, namoradas, cães.
Perdi árvores, pássaros, perdi um rio
e eu mesmo nele me banhando.
Isto o que ganhei: essas perdas. Isto
o que ficou: esse tesouro
de ausências.

(A noite avança, e as janelas
aos poucos
se apagam. No silêncio
meu coração permanece
iluminado. Eis que trabalha, fiel,
mesmo quando revela
a si mesmo em breve imóvel
ou, depois, a última estrela
sem testemunhas
no céu final.)


RUY ESPINHEIRA FILHO
(Brasil, n. 1942)

Com autorização de Amélia Pais

http://barcosflores.blogspot.com/
http://cristalina.multiply.com/

10 comentários:

bettips disse...

A seguir à ternura da fotografia, a ternura das palavras dos barcos, ao longe. É lindo que nos pensem e nos afaguem assim. Acompanha... Bjinho

Anónimo disse...

...um tesouro de ausências.
Hoje somos o guardião, amanhã faremos parte dele...
Um abraço

Frioleiras disse...

Um grd beijo, para ti, m.

Alberto Oliveira disse...

"Mas tudo rápido
demais
que nem nos podemos saber... "
e chegados aqui
não queremos partir;
jamais*.


* Apenas pretendi dar um tom mais optimista à "zona menos iluminada" do poema. Que é belo.

beijinho m.

por um fio disse...

Lindo!
Também fico sempre à espera da última estrela no céu...
Beijo, Manuela!

vida de vidro disse...

Um poema lindíssimo. Um balanço de vida. Um beijo grande para ti.

A.S. disse...

Belo poema!... Deixa que no silêncio o teu coração permaneça iluminado!...


Um beijo!

Manuel Veiga disse...

uma excelente galeria de rostos, que eu perdi. o poema? muito belo!...

Klatuu o embuçado disse...

Um belo poema, de facto.

APC disse...

Aniversário uma estrela feliz?!...
Feliz escolha poética; iluminada!