quinta-feira, dezembro 19, 2013

6. Licínia

Era dia e Penélope tecia. Esperava e tecia e a idade crescia. E a raiva crescia e a cama vazia e a cidade vazia. Quando a noite chegava, a teia minguava, Penélope chorava, na cidade chovia. Ulisses navegava, Ulisses naufragava, Ulisses não cuidava, Ulisses não sabia, Ulisses não voltava e a teia não crescia. Outro esposo Penélope não queria, outro rei, outra lei a cidade não queria. Ainda ela tecia e Ulisses voltou e ninguém reparou como Ulisses mudou, como Ulisses sofria, como Ulisses chorou. Só o cão o cheirou, só o cão se deitou na velhice de Ulisses. Era noite e a teia encolhia, e outro dia haveria de a teia terminar, de Ulisses regressar ao seu trono vazio, às mãos da tecelã, sem tecer, sem tecer, a mirar, a mirar, a velhice de Ulisses, o cansaço de Ulisses, o cão fiel de Ulisses. Na cidade chovia.
Licínia

1 comentário:

Justine disse...

Fiquei sem palavras, perante esta pérola que é o teu texto!