quinta-feira, março 13, 2014

7. M.



Um pouco insólita me pareceu a presença daquela rapariga à janela. Imóvel, não sei se agastada se pensativa, aparentemente decepado o corpo pela cintura. O que não me admiraria, pois a guilhotina foi expediente de franceses de outros tempos para resolver problemas de poder e esta menina estava em terras de França. Sim, eu sei, neste caso não se terá passado exactamente da mesma maneira. Ao contrário do acto sanguinário de então, sobreviveram incólumes a cabeça e parte do tronco, sendo a persiana, plástica, suponho, um meio de amputação menos pesado. Mas o melhor é considerar hipóteses mais lúdicas, como por exemplo habilidades de mágico cortando o corpo da assistente de sorriso confiante, para logo depois o recompor perante a perplexidade dos espectadores. Enfim, os pormenores da concepção e execução da obra pouco me importam. O que realmente lamento é não ter conhecido o seu autor para lhe confessar o meu apreço pela genialidade da ideia e pelo simbolismo que nela encontro. Por vezes, separar a cabeça da estrutura de que faz parte permite uma certa libertação do pensamento. 
M

5 comentários:

Justine disse...

Obviamente um truque de mágica, como mágico é o teu olhar ao encontrar estas delícias, que tão bem sabes sublinhar com um texto cheio de espírito e ironia!

agrades disse...

Uma menina à janela recordando belos momentos a cheirar a alfazema!

bettips disse...

Todas as meninas se põem à janela. Esta é imaginativa qb.
Observada pela tua habilidade em criar fios de palavras.

Luisa disse...

Insólita mas tão bonita. É a carochinha.

Licínia Quitério disse...

Nada pouco o que a menina à janela nos faz pensar. A adivinhação do corpo é uma aventura que a M enceta com a maior mestria.