quinta-feira, setembro 13, 2018

8. M.



Sem pensar duas vezes, correram para a pedra. Pelo menos assim me pareceu. Eu ia atrás deles, em passeio de domingo, e fui ouvindo a conversa, uma palavra aqui, outra ali, mas sem prestar grande atenção. Caminhavam em passo lento, a opinar sobre uma qualquer pedra fracturada. À distância afigurava-se-lhes suficientemente larga para se acomodarem os três. Aposto que cabemos. Pois eu aposto que não. Então dois de cada vez. Dessa estás tu livre, ninguém é deixado de fora, não foi isso o combinado. Ou há coesão ou nada feito. Na última parte do trajecto calaram-se. Mas nem eu nem os pássaros que por ali esvoaçavam, ou as lagartixas fugidias rasteirinhas aos nossos pés, fazíamos ideia que decisão final teria sido tomada. E talvez nem eles. Quem cala consente mas não sempre, portanto o melhor é evitar entrar no silêncio de cada um, por causa das más interpretações. De repente largaram numa correria na direcção da pedra e o resultado está à vista. Não entendo que bicho lhes mordeu, iam tão devagar... Apanharam-me de surpresa, confesso. Mas depressa arranjaram explicação para o aperto em que se meteram. O artesão que nos moldou imaginou-nos assim, não podemos desiludi-lo. Não achas?, perguntavam uns aos outros. Bem encostados até se relaxa um pouco, argumentava um deles. Ora, balelas! A ergonomia funciona apenas contigo, só tu tens sofá esculpido à tua medida. Gente estranha... Deixei-os lá com aquela conversa maluca. Há cada um! 
Limitei-me a dizer Pois... ao meu interlocutor do momento, palavra que utilizo em impasses de conversas. 
M

5 comentários:

Anónimo disse...

Aqui, que me lembre, se dizia "Quem não se sente, não é filho de boa gente"!
Impasses, espaços, gente a mais, ou que se acomoda... fizeste bem em deixá-los a falar com os seus botões (pequeninos).
B

Isabel disse...

ADOREI!!

O texto e a escultura...é tão bonita!

Mónica disse...

que aperto bonito :D

Justine disse...

Um texto magnífico, M.! Fiquei "agarrada" até ao fim e adorei toda a construção. A peça esculpida que fotografaste é linda! Dizes-nos quem é o artesão?

M. disse...

Justine:
Não faço ideia quem seja o artesão. Tem apenas escrito atrás V. L. 71. Possivelmente são as iniciais da pessoa. Comprei esta peça há muitos anos, numa lojinha perto de minha casa.