Gosto de livros
deitados sobre mesas. À beira de sofás e cadeiras na sala de estar,
revelam intimidade, atraem olhares curiosos, proporcionam conversas
agradáveis. E eles ali, os livros, a participarem também nos
convívios, calados ou não, depende da oportunidade, da página que
se abriu ao gesto. Gosto de os olhar demoradamente, procurar o que
têm para me oferecer, descobri-los, entrar dentro da sua paisagem
interior, aconchegá-la junto da minha com perspectivas e cores
diferentes em encontros de tempos que me marcam enquanto passam.
No caso deste livro,
lembro-me bem do dia em que o comprei e fotografei mal cheguei a
casa. Pousei-o na mesa, sentei-me no chão perto dele com a máquina
fotográfica nas mãos, desejava-o em lugar especial, ao nível dos
meus olhos, ao alcance dos meus dedos a deslizarem sobre árvores
solitárias no calor dos amarelos. Queria passear nas aldeias
resguardadas entre verdes, naquela outra página assistir à luz a
despontar no horizonte, esperar na praia pelo regresso do barco de
pesca... Tantos são os temas que Silva Porto
pintou a seu modo. Fechado ou aberto, queria este livro presente na
minha vida desde o dia em que visitei a Casa Museu Dr. Anastácio
Gonçalves e me apaixonei pela colecção de pintura e objectos de
arte deste médico oftalmologista sensível à beleza do mundo.
M
(Silva Porto 1850-1893, Exposição comemorativa do centenário da sua morte, Museu Nacional de Soares dos Reis, 1993, Instituto Português de Museus)