quinta-feira, junho 04, 2020

7. M.

 
Gosto de livros deitados sobre mesas. À beira de sofás e cadeiras na sala de estar, revelam intimidade, atraem olhares curiosos, proporcionam conversas agradáveis. E eles ali, os livros, a participarem também nos convívios, calados ou não, depende da oportunidade, da página que se abriu ao gesto. Gosto de os olhar demoradamente, procurar o que têm para me oferecer, descobri-los, entrar dentro da sua paisagem interior, aconchegá-la junto da minha com perspectivas e cores diferentes em encontros de tempos que me marcam enquanto passam.
No caso deste livro, lembro-me bem do dia em que o comprei e fotografei mal cheguei a casa. Pousei-o na mesa, sentei-me no chão perto dele com a máquina fotográfica nas mãos, desejava-o em lugar especial, ao nível dos meus olhos, ao alcance dos meus dedos a deslizarem sobre árvores solitárias no calor dos amarelos. Queria passear nas aldeias resguardadas entre verdes, naquela outra página assistir à luz a despontar no horizonte, esperar na praia pelo regresso do barco de pesca... Tantos são os temas que Silva Porto pintou a seu modo. Fechado ou aberto, queria este livro presente na minha vida desde o dia em que visitei a Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves e me apaixonei pela colecção de pintura e objectos de arte deste médico oftalmologista sensível à beleza do mundo.
M

(Silva Porto 1850-1893, Exposição comemorativa do centenário da sua morte, Museu Nacional de Soares dos Reis, 1993, Instituto Português de Museus)

3 comentários:

Justine disse...

Um texto lindo, um pintor que admiro, uma identificação com a tua paisagem!

bettips disse...

Gosto de me "meter" nas paisagens dele. Uma ideia ali ao pé, muito bem "aconselhada" pelos olhos caseiros!

Anónimo disse...

Que bom ter essa maravilha tão perto de ti!
Luisa