Nos dias de sol, abrira por vezes a Mala Castanha do seu peito e rasgara as Letras num gesto de recreio, de aliviante destroçar, de intervalo branco de Jardim. Desatara-as da mão aberta de menina com laço e ficara a ver a textura cálida e ácida - e, de novo, aveludada, dos pronomes, das preposições, dos substantivos e por fim, do verbo A f a s t a r.
Casuais e cruéis e inocentes como aves sem nome, desmantelavam- se e ondulavam a perder de vista, lentas e leves, arqueando-se para cima dos cumes do ar.
Sentira-se sempre uma fugitiva incógnita das Palavras Dentro dos Olhos; reflectiu o concentrado pântano de movediças teias enganosas, aflitas escrituras de comboios sem paragem, multiplicados Babéis de pânico adiado, Prometeus sem presente nem corpo real.
É que, apesar do tanto que lera, de conceituados Autores sobre o Corpo das Palavras, esse corpo nunca tivera boca e nunca a embalara.
Sorriu... pensou no passado e soube que para sempre desistira, que deixava as Letras aos que vivem dentro das Letras, que agora apenas via a prisão nua nos seus olhinhos abotoados de Sereia-Esfinge a seduzir os marinheiros, os seus bracinhos de hera a sugar os destinos duvidosos da carne.
E abriu agora mais o sorriso: é que sim, agora escolhera, por fim, definitiva e conscientemente libertar-se, oferecer-se ao presente e cegar.
~pi
3 comentários:
E isto era dito nas letras e com elas.
Aqui uma outra mala que não aquela de couro. Um outro género de invólucro.
por vezes não cabem dentro de uma mala, os sonhos.
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