quinta-feira, fevereiro 16, 2012

11. ~pi

Nos dias de sol, abrira por vezes a Mala Castanha do seu peito e rasgara as Letras num gesto de recreio, de aliviante destroçar, de intervalo branco de Jardim. Desatara-as da mão aberta de menina com laço e ficara a ver a textura cálida e ácida - e, de novo, aveludada, dos pronomes, das preposições, dos substantivos e por fim, do verbo A f a s t a r.
Casuais e cruéis e inocentes como aves sem nome, desmantelavam- se e ondulavam a perder de vista, lentas e leves, arqueando-se para cima dos cumes do ar.

Sentira-se sempre uma fugitiva incógnita das Palavras Dentro dos Olhos; reflectiu o concentrado pântano de movediças teias enganosas, aflitas escrituras de comboios sem paragem, multiplicados Babéis de pânico adiado, Prometeus sem presente nem corpo real.
É que, apesar do tanto que lera, de conceituados Autores sobre o Corpo das Palavras, esse corpo nunca tivera boca e nunca a embalara.

Sorriu... pensou no passado e soube que para sempre desistira, que deixava as Letras aos que vivem dentro das Letras, que agora apenas via a prisão nua nos seus olhinhos abotoados de Sereia-Esfinge a seduzir os marinheiros, os seus bracinhos de hera a sugar os destinos duvidosos da carne.
E abriu agora mais o sorriso: é que sim, agora escolhera, por fim, definitiva e conscientemente libertar-se, oferecer-se ao presente e cegar.

~pi

3 comentários:

Anónimo disse...

E isto era dito nas letras e com elas.

M. disse...

Aqui uma outra mala que não aquela de couro. Um outro género de invólucro.

mena maya disse...

por vezes não cabem dentro de uma mala, os sonhos.