sábado, novembro 11, 2006

Quando a sensibilidade viaja pelo mundo...

« Lembrando uma fotografia e não só


Há uns dias atrás precisei de uma fotografia para enviar a uma amiga do blog Palavra Puxa Palavra, que nos pedia uma, a condizer com o tema "Incómodo". Fui ao Egipto há uns anos e esta fotografia ficou como um dos pontos da viagem a não esquecer, captada durante a visita a uma loja, melhor dizendo, armazém de venda de tapeçaria, no Cairo, que ficava no 1º andar, ou rés-do-chão, já lá vão uns anos, esqueci pormenores e na cave, bastante espaçosa e algo vazia, ficava a escola, onde fomos encontrar uma dezena de crianças em frente a teares, aprendendo, segundo nos disseram. Pedi que me fotografassem junto às meninas, para não esquecer, e depois, no andar superior, comprei um pequeno tapete que trouxe e ofereci aqui em Portugal. Pela primeira vez conto este facto, e assim sendo, ninguém sabe que comprei aquele tapete com a ideia que talvez tivesse sido feito por aquelas crianças e que por isso tinha um enorme valor. Penso que ninguém percebeu isto. Mais me convenci que tinha transgredido alguma coisa, quando, ao percorrer o enorme salão todo coberto de tapetes (paredes e chão), dos mais variados tamanhos, um dos homens, possivelmente empregados, proprietários, sei eu bem o que seriam, falava de um modo agressivo com os outros e percebi que se referia a nós, pelos olhares. Como levámos guia local, o mesmo deve tê-lo convencido que eu não passava de uma turista portuguesa inofensiva (segundo parece as mulheres portuguesas encontram-se no grupo das respeitáveis, para aqueles homens). Escapei e trouxe a fotografia e o tapete. É claro que o Egipto é o que sabemos: História que também nos diz respeito, se não fosse por outra razão, pelo menos, porque nos foi ensinada na escola. A propósito, senti-me atraiçoada, quando visitei Praga e constatei que na mesma escola onde o Egipto, a Grécia e Roma nos foi detalhadamente ensinada, de tal modo que as pirâmedes, a esfinge, o coliseu, a acrópole, os deuses, as histórias, nessa mesma escola, não nos mostraram as maravilhas dessa cidade europeia, com o mesmo pormenor, o que me levou a reconhecer quão ignorantes nos deixaram por razões estranhas. Voltando ao Cairo, devo dizer que me impressionaram imensas coisas, as tais que já conhecemos de fotografias e filmes. Talvez Luxor pela sua grandeza. De certeza a Esfinge pela sua altivez. Olhando-a bem de frente, tive a sensação que dela emanava um poder enorme. Atrás de mim, bem perto, casas pobres, decrépitas, nada a condizer com a força do colosso. Aprecio os monumentos como toda a gente, mas são as pessoas que me deixam marcas, como as meninas da fotografia, que me pediam em voz muito baixa, dólares. E foi também o nosso primeiro guia, um professor católico, um egipcio, sem dúvida, que diante das colossais colunas do templo de Luxor, à entrada do mesmo, colheu um pequeno ramo, de uma também pequena planta, de um quase invísivel canteiro, perdido no pó, me entregou e esfregou uma folha entre os dedos, dizendo-me para fazer o mesmo e que cheirasse a erva aromática. Assim fiz e disse-lhe que em Portugal também a tínhamos e que se chamava alecrim. Quando lhe devolvi o pequeno ramo, disse-me que o guardasse, que era uma oferta. Preciosa, galante, digo eu. É assim que fico a conhecer os povos por onde passo, por estes pequenos gestos e muito menos pelos enormes monumentos já mostrados em livros, gravuras, cinema, ou pelo turismo destinado a gente abastada, diferente de nós. Há uns dias que andava a pensar escrever estas ideias e nem de propósito, o
innersmile escreveu um conto cuja acção decorre no museu do Cairo. Leiam-no, pois vale a pena. Há coincidências curiosas. »

A L. escreveu em
http://fazendocaminho.livejournal.com

1 comentário:

bettips disse...

Gostei imenso deste apontamento de viagem, sensível, precioso. As pequenas coisas que fazem a diferença, entre pessoas, viagens, sítios. E fica bem documentada a foto das meninas. Abraços a M. e L.