quarta-feira, dezembro 27, 2006

Em silêncio























«… Foi a este lar, humilde como os que mais o eram, que vieram acolher-se os meus avós depois de casados, ela, segundo havia sido voz corrente no tempo, a rapariga mais bonita da Azinhaga, ele, o exposto na roda da Misericórdia de Santarém e a quem chamavam «pau-preto» por causa da tez morena. Ali viveriam sempre. Contou-me a avó que a primeira noite a passou o avô Jerónimo sentado à porta da casa, ao relento, com um pau atravessado nos joelhos, à espera dos ciumentos rivais que haviam jurado ir apedrejar-lhe o telhado. Ninguém apareceu, afinal, e a Lua viajou (permita-se-me que o imagine) toda a noite pelo céu, enquanto minha avó, deitada na cama, de olhos abertos, esperava o seu marido. E foi já madrugada clara que ambos se abraçaram um no outro.»

As Pequenas Memórias, José Saramago, Caminho

Foto de M

3 comentários:

Maria P. disse...

Há silêncios que são eternas melodias...

Beijinho:)

Anónimo disse...

Uma delícia este texto!
Maneiras de estar de outros tempos, como gosto de ouvir os mais vividos contarem as suas histórias...
Assim fiquei sabendo que já há mais um livro do Saramago à venda:).
Vou traze-lo para Berlin, quando estiver de volta no princípio de janeiro.
Um Bom ANO 2007!
um abraço
:)

Anónimo disse...

Foi uma caminhada pela aldeia, no tempo das cheias e das oliveiras ...foi um gosto ler as memórias pequenas, dos avós sábios, dos enredos. Um livro simples. Uma memória grandiosa..."O que não sei é onde se irão meter os lagartos." (pag.15). Abç