Dia 1 – Provérbios Fotografados: «Antes de morder, vê com atenção se é pedra ou pão» Dia 8 – Reticências com a frase “Era uma vez”a iniciar o texto Dia 15 – Com as palavras dentro do olhar sobre fotografia de Benó Dia 22 – Fotodicionário com a palavra “Partida“ escolhida pela Teresa Silva Dia 29 – Fotografando as palavras de outros sobre este pensamento de Vergílio Ferreira:
671 No amor nunca os pratos da balança estão equilibrados. E como a essência do amor é etérea, quem pesa mais é quem ama menos.
As fotografias abaixo publicadas de 1 a 14 são a expressão, através de fotografia, do que cada um dos seus autores sentiu ao ler o poema de José Gomes Ferreira
XVI
E para aqui estou a olhar para os espaços sentado num banco da Avenida com o tempo a dormir-me nos braços como uma ninfa de sol apodrecida…
Poesia – II (Sonâmbulo), José Gomes Ferreira, Portugália Editora, Colecção Poetas de Hoje, Outubro de 1962
Fotografia da Agrades que serviu de inspiração aos textos que abaixo aparecem numerados de 1 a 15 e com os nomes dos seus autores.
Pareceu-me que destacar uma única vez a fotografia, evitando assim repeti-la exaustivamente, e juntar os textos por ordem alfabética, seria a melhor forma de publicação para este novo desafio, mas se alguém tiver uma outra ideia que julgue mais estética ou mais prática, por favor diga-me.
Nos anos 60, as malas eram de cartão e as botas cardadas ou “da tropa”. Era ”de salto” que se emigrava, para deixar a agricultura que era a “arte de empobrecer” sombriamente, ou para não ir para a guerra colonial. Hoje, nesta segunda década do século xxi, muitas das malas levam um “canudo” sem préstimo por cá, e uma divisória para o computador. Foge-se do desemprego e da pátria madrasta. Para onde?, para que padrastas mátrias?
Uma mala antiga, de bom cabedal, muito viajada por diversos hotéis, uma autêntica preciosidade. A imagem sugere várias perguntas: há quantos anos foi comprada e onde, quem a utilizou, o que motivou as viagens para as cidades assinaladas - turismo, negócios, política, ou qualquer outra razão? Sem respostas concretas para as minhas dúvidas, assim, como se apresenta, esta fotografia lembra- me histórias de John Le Carré.
Com as palavras dentro do olhar, despertando de um sono acidental quando escrevia, achei-me meio cego a desbravar a imagem que tinha explorado no ecrã do meu computador: era um quadro de Rauschenberg ou o equívoco, pela semelhança, de uma parede em ruínas, onde ferros e restos de janelas, entre sombras, criavam um mundo seco, de colagens e papéis rasgados. Lembrei- me então que tinha permanecido diante da imagem publicada num jornal e refotografada por mim, a encher os olhos das muitas palavras que a dissessem.
Nos dias de sol, abrira por vezes a Mala Castanha do seu peito e rasgara as Letras num gesto de recreio, de aliviante destroçar, de intervalo branco de Jardim. Desatara-as da mão aberta de menina com laço e ficara a ver a textura cálida e ácida - e, de novo, aveludada, dos pronomes, das preposições, dos substantivos e por fim, do verbo A f a s t a r. Casuais e cruéis e inocentes como aves sem nome, desmantelavam- se e ondulavam a perder de vista, lentas e leves, arqueando-se para cima dos cumes do ar.
Sentira-se sempre uma fugitiva incógnita das Palavras Dentro dos Olhos; reflectiu o concentrado pântano de movediças teias enganosas, aflitas escrituras de comboios sem paragem, multiplicados Babéis de pânico adiado, Prometeus sem presente nem corpo real. É que, apesar do tanto que lera, de conceituados Autores sobre o Corpo das Palavras, esse corpo nunca tivera boca e nunca a embalara.
Sorriu... pensou no passado e soube que para sempre desistira, que deixava as Letras aos que vivem dentro das Letras, que agora apenas via a prisão nua nos seus olhinhos abotoados de Sereia-Esfinge a seduzir os marinheiros, os seus bracinhos de hera a sugar os destinos duvidosos da carne. E abriu agora mais o sorriso: é que sim, agora escolhera, por fim, definitiva e conscientemente libertar-se, oferecer-se ao presente e cegar.
A vida é uma viagem para a qual não há plano que nos valha! Chegamos sós e partimos sós. O importante é o caminho e quem nos acompanha. Uns enriquecem-nos, tornam-nos o caminhar mais leve e a viagem mais interessante, outros mostram-nos o outro lado da medalha. Todos deixam marcas, rótulos que vamos colando na nossa bagagem.
Convidaram-nos a emigrar, a retirar do fundo do baú a mala de cartão velha e empoeirada. Quem devia emigrar deveriam ser esses vampiros sedentos de sangue, que não desistem de nos acossar...
Malas com estatuto. Não eram as de cartão dos nossos imigrantes, não tinham as rodas com que multidões se deslocam agora a ilhas exóticas. Eram as malas só de alguns que visitavam o Centro da Europa ou, os mais arrojados e endinheirados, que experimentavam o Expresso do Oriente. Pesadas? Talvez mas na estação havia sempre um carregador que os aliviava do peso do couro genuino.
Vamos à descoberta, ao achamento, à aventura, à procura dos mundos infinitos que guardamos nas malas. Como pesam as malas. Por entre os fatos, os livros, os sapatos, arrumam-se, invisíveis, os segredos, e, no regresso, as mortes dos caminhos. A pele das malas transporta as nossas cicatrizes, a gala das noites de diamante, os rótulos sucessivos dos nossos sucessivos rostos, os nomes sobrepostos das cidades do frio, do calor, da mansidão. Dentro das malas se atravessa a vida. Viajantes eternos, à descoberta, vamos.
Vestida de linho branco, na cabeça um chapéu sombreando o rosto onde se adivinhava um traço de solidão, caminhava em passo determinado. No cais, o Transiberiano aguardava, arfante, num ruído manso envolto em fumo. Não era contudo, como seria previsível, uma sombrinha de renda que ela segurava na mão enluvada. Junto ao corpo, como se dentro tivesse encerrado toda a sua vida, a misteriosa dama transportava uma mala de couro envelhecido por incontáveis viagens. Esta era mais uma. Qual o seu fim? Que insondáveis segredos continha a pequena mala?
Dentro do olhar a mala antiga, de couro, pesada. Decerto idêntica às de Agatha Christie, quando se hospedava no quarto número 7 do Hotel Palace do Buçaco, onde passava longas temporadas.
A primeira coisa que me veio à cabeça "com as palavras dentro do olhar" foi o livro/peça de teatro de Jean-Paul Sartre "Os Sequestrados de Altona" (1959) e o belo tempo dos aforismos românticos e revolucionários dos anos 60. Trata-se de uma obra crua sobre a clausura voluntária do homem com a sua culpa. Jean-Paul Sartre saberia do que falava, ele próprio esteve preso num campo de concentração nazi.
A segunda foi a certeza da minha primeira viagem de comboio, teria eu uns 4 ou 5 anos: à Penha, Guimarães, onde acampámos. E donde trouxe a lembrança de muitas árvores e pedras, mais uma cicatriz no queixo por ter tropeçado numa "espia" ou numa "cavilha" da tenda. Imperdoável para um campista!
A terceira...tem a ver com a minha completa dependência física e psíquica de viajar e conhecer. O meu alimento principal está contido numa velha mala: o que viu e percorreu na sua finura de couro velho e manuseado, os lugares improváveis que me ficam na imaginação sem os conhecer.
Ainda não a vejo! Talvez agora! Não! Só malas pretas. Ah! Lá vem, juntamente com a outra azul. Vê-se bem a cor clara entre as outras todas escuras. Ufff!! Ótimo que não se extraviou mas, sabe-se lá, quantos tropeções deu, quantas vezes caiu ao chão. Que surpresas e lembranças guarda no seu ventre? Com ansiedade, nós que ficámos e não viajámos, esperamos a abertura da mala que visitou países, terras desconhecidas, viu gentes com costumes diferentes. Lá dentro, vem, certamente, uma recordação desses sítios por onde andou e que vai, certamente, engrossar o número de suvenires que não servem para nada mas que fazemos sempre questão de comprar. Um lápis, um porta chaves, uma t-shirt que se veste uma, duas vezes, depois alarga ou encolhe e põe-se de lado. Malas de viagem são uma caixinha de surpresas.
Na minha mala de viagem cabe tudo: sonho, alegria e esperança. Arrumo-a com muito cuidado e nunca me esqueço de reservar um espaço para a vontade de regressar.
Lindo o gesto...de ir à procura do passado. Do lugar onde, sessenta anos antes, tirara aquela foto de grupo. O mestre fotógrafo (pai de um seu colega de escola) conseguira, a custo e depois de várias tentativas, compor todo o conjunto. E num dos locais mais emblemáticos da Vila, fez um boneco que ainda perdura. E que está colocado mesmo por cima do seu PC. A recordar os bons tempos da primária.
… lindo gesto esse, o teu, moldando o barro como quem acaricia um ser vivo, gesto de menina cega que empresta o tacto aos seus olhos ausentes e se auto-retrata sem medo de semelhanças ou diferenças.
Lindo o gesto de escrever ainda, selar, enviar. Bonita dádiva de um tempo gasto e dedicado. Gesto de palavras ultrapassadas que nos torna mais… bonitos.
Lindo o gesto de acariciar. É só afastar de nós o braço e tocar com a nossa mão: um rosto de criança, uma flor, o nosso gato. Uma maneira simples e mágica de fazer nascer um sorriso, um fulgor de felicidade, um momento inesquecível. Lindo, o gesto de acariciar…
Lindo o gesto de perpetuar em estátua uma tradição popular, muito específica dessa ilha de tantas cores (Tenerife, Ilhas Canárias). Trata- se de enormes e intrincados desenhos no chão, feitos com areia vulcânica de diversos tons, na Praça do Município da cidade de La Orotava, para as festas religiosas em Junho.
Lindo o gesto ternurento, carinhoso e até protetor entre dois seres que conviveram largos anos no mesmo espaço. Disputaram brincadeiras, correrias, zangas também. Como crianças alegraram os meus dias, ajudaram-me a passar alguns momentos de isolamento, fizeram-me rir. Um já partiu, resta a sua lembrança.