quinta-feira, abril 26, 2012

AGENDA PARA MAIO DE 2012


Dia 3 - Provérbios Fotografados: «A luz onde está, logo aparece»
Dia 10Reticências com a frase “Ao olhar para cima
Dia 17 - Com as palavras dentro do olhar sobre fotografia de Jawaa
Dia 24 - Fotodicionário com a palavra “Renovação” escolhida pelo Zé-Viajante
Dia 31 - Fotografando as palavras de outros sobre alguns excertos do livro D. Quixote, que li há alguns anos com enorme prazer e um permanente sorriso nos lábios. Desta vez o texto proposto é um pouco mais longo do que o habitual mas foi-me difícil resistir a tamanha graça de pormenores e de ironia que a leitura do livro me ofereceu. Bem sei que sendo a escolha maior possa eventualmente tornar-se a resposta mais difícil, mas há que correr riscos. Para que os riscos outros que nos ensombram os dias sejam de algum modo atenuados pelo gosto do encontro com este cavaleiro.

«Em certo lugar da Mancha, o nome amanhã o direi, vivia não há grandes anos um fidalgo, destes velhos fidalgos de lança em armeiro, adarga antiga, pileca à manjedoira e galgo corredor. Bons três quartos do rendimento gastava-os no comer: cozido, obrigado mais vezes a vaca do que a carneiro, com o infalível empadão dos sobejos à ceia, uma fritada de ovos com miúdos e toicinho aos sábados, lentilhas às sextas, e o seu borracho extra uns domingos por outros. O resto ia-se no vestir: saio de velarte e calças de veludilho com pantufos do mesmo pano nos dias santos; a cote, saragoça, embora da mais fina.

Tinha em casa uma governanta, mais que quarentona, uma sobrinha que ainda não completara vinte anos, e um moço para todo o serviço, que largava o podão e ia selar-lhe o rocim. O nosso fidalgo andava à beira dos cinquenta. Era rijo de têmpera, seco de carnes, rosto esfalcado, grande madrugador e amigo de montear. (…)

Antes de ir mais longe é preciso que se saiba que este fidalgo, sempre que estava ocioso, e era a maior parte dos dias na roda do ano, ocupava-se em ler livros de cavalaria com tanto afinco e regalo que descurou quase totalmente o exercício da caça e o governo da fazenda. (…)

Em suma, o nosso fidalgo embebeu-se tanto na leitura, que levava as noites a ler, desde lusco-fusco a lusco-fusco (…) E assim, de pouco dormir e muito ler, aconteceu ressecarem-se-lhe os miolos e toldar-se-lhe de todo o juízo.
Povoou-se-lhe a fantasia com tudo o que lia nos romances, encantamentos, pendências, batalhas, desafios, lanhos dados e recebidos, requebros, amores, tormentos e disparates impossíveis.»

Capítulo I

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«Nisto descobriram os trinta a quarenta moinhos de vento que há naquelas paragens. Mal D. Quixote deu com os olhos neles, disse para o escudeiro:
- Estamos com sorte, muito mais sorte do que aquilo que podíamos desejar. Abre-me os olhos e repara... repara-me para aqueles trinta e tantos desaforados gigantes! Vou-me a pelejar com eles e tirar-lhes a vida. (…)
- Atente bem, Vossa Mercê. O que se descortina além fora não são gigantes, mas moinhos de vento. E o que parecem braços não são senão as velas que, sopradas pela aragem, fazem girar as mós. (...)

E assim animado, encomendando-se do fundo do coração à sua senhora Dulcineia para que lhe valesse naquele transe, bem abroquelado com a rodela, lança em riste, arremeteu a galope dobrado do Rocinante contra o moinho que lhe ficava em face. No mesmo instante mesmo a vela recebia tão furioso açoite do vento que lhe fez a lança em pedaços e, arrastando cavalo e cavaleiro, atirou-os de escantilhão pelo campo fora. Sancho Pança picou o burro na pressa de lhe acudir. O amo estava estatelado debaixo do cavalo, incapaz de qualquer movimento.»

Capítulo VIII

D. Quixote de La Mancha, (Versão de Aquilino Ribeiro), Miguel de Cervantes Saavedra, Bertrand Editora

2 comentários:

bettips disse...

Esta converseta faz-me sentir "vadia"!

~pi disse...

texto maravilhoso de dinâmicas e margens...

obrigada, M.