Dia
3 - Provérbios
Fotografados:
«A
luz onde está, logo aparece»
Dia
10
– Reticências
com
a frase “Ao
olhar para cima”
Dia
17 - Com
as palavras dentro do olhar sobre
fotografia de Jawaa
Dia
24 - Fotodicionário
com
a palavra “Renovação”
escolhida pelo Zé-Viajante
Dia
31
- Fotografando
as palavras de outros sobre
alguns excertos do livro D.
Quixote, que
li há alguns anos com enorme prazer e um permanente sorriso nos
lábios. Desta vez o texto proposto é um pouco mais longo do que o
habitual mas foi-me difícil resistir a tamanha graça de pormenores
e de ironia que a leitura do livro me ofereceu. Bem sei que sendo a escolha maior possa eventualmente tornar-se a resposta mais difícil, mas há que correr riscos. Para que
os riscos outros que nos ensombram os dias sejam de algum modo atenuados pelo gosto do encontro com este cavaleiro.
«Em certo lugar da
Mancha, o nome amanhã o direi, vivia não há grandes anos um
fidalgo, destes velhos fidalgos de lança em armeiro, adarga antiga,
pileca à manjedoira e galgo corredor. Bons três quartos do
rendimento gastava-os no comer: cozido, obrigado mais vezes a vaca do
que a carneiro, com o infalível empadão dos sobejos à ceia, uma
fritada de ovos com miúdos e toicinho aos sábados, lentilhas às
sextas, e o seu borracho extra uns domingos por outros. O resto ia-se
no vestir: saio de velarte e calças de veludilho com pantufos do
mesmo pano nos dias santos; a cote, saragoça, embora da mais fina.
Tinha em casa uma
governanta, mais que quarentona, uma sobrinha que ainda não
completara vinte anos, e um moço para todo o serviço, que largava o
podão e ia selar-lhe o rocim. O nosso fidalgo andava à beira dos
cinquenta. Era rijo de têmpera, seco de carnes, rosto esfalcado,
grande madrugador e amigo de montear. (…)
Antes de ir mais longe
é preciso que se saiba que este fidalgo, sempre que estava ocioso, e
era a maior parte dos dias na roda do ano, ocupava-se em ler livros
de cavalaria com tanto afinco e regalo que descurou quase totalmente
o exercício da caça e o governo da fazenda. (…)
Em suma, o nosso
fidalgo embebeu-se tanto na leitura, que levava as noites a ler,
desde lusco-fusco a lusco-fusco (…) E assim, de pouco dormir e
muito ler, aconteceu ressecarem-se-lhe os miolos e toldar-se-lhe de
todo o juízo.
Povoou-se-lhe a
fantasia com tudo o que lia nos romances, encantamentos, pendências,
batalhas, desafios, lanhos dados e recebidos, requebros, amores,
tormentos e disparates impossíveis.»
Capítulo I
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«Nisto descobriram os
trinta a quarenta moinhos de vento que há naquelas paragens. Mal D.
Quixote deu com os olhos neles, disse para o escudeiro:
- Estamos com sorte,
muito mais sorte do que aquilo que podíamos desejar. Abre-me os
olhos e repara... repara-me para aqueles trinta e tantos desaforados
gigantes! Vou-me a pelejar com eles e tirar-lhes a vida. (…)
- Atente bem, Vossa
Mercê. O que se descortina além fora não são gigantes, mas
moinhos de vento. E o que parecem braços não são senão as velas
que, sopradas pela aragem, fazem girar as mós. (...)
E
assim animado, encomendando-se do fundo do coração à sua senhora
Dulcineia para que lhe valesse naquele transe, bem abroquelado com a
rodela, lança em riste, arremeteu a galope dobrado do Rocinante
contra o moinho que lhe ficava
em face. No mesmo instante mesmo a vela recebia tão furioso açoite
do vento que lhe fez a lança em pedaços e, arrastando cavalo e
cavaleiro, atirou-os de escantilhão pelo campo fora. Sancho Pança
picou o burro na pressa de lhe acudir. O amo estava estatelado
debaixo do cavalo, incapaz de qualquer movimento.»
Capítulo VIII
D.
Quixote de La Mancha,
(Versão de Aquilino Ribeiro), Miguel de Cervantes Saavedra, Bertrand
Editora
2 comentários:
Esta converseta faz-me sentir "vadia"!
texto maravilhoso de dinâmicas e margens...
obrigada, M.
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