Dia
27 - Fotografando
as palavras de outros sobre
os dois excertos abaixo transcritos.
NOTA: As fotografias que apresentamos nos desafios que as requerem têm que ser sempre da nossa autoria, nunca de outros. Penso que se tornam assim mais interessantes por nos exigir maior criatividade e dar um cunho mais pessoal às nossas participações.
NOTA: As fotografias que apresentamos nos desafios que as requerem têm que ser sempre da nossa autoria, nunca de outros. Penso que se tornam assim mais interessantes por nos exigir maior criatividade e dar um cunho mais pessoal às nossas participações.
«(...)
Estava a sentir a acção de emoções contraditórias, e precisava
de se agarrar ao que em si havia de melhor, os seus pensamentos mais
meigos acerca dela, pois de outro modo parecia-lhe que iria sucumbir,
ou simplesmente ceder. Sentia um peso líquido nas pernas quando
atravessou o quarto para recuperar as cuecas caídas no chão.
Vestiu-as, pegou nas calças e ficou um bocado com elas penduradas da
mão a olhar pela janela, a ver as árvores encolhidas pelo vento,
agora escuras e reduzidas a uma mancha contínua de um verde
acinzentado. Lá no alto havia uma meia-lua fumarenta, praticamente
sem brilho. O som das vagas a desfazerem-se na praia a intervalos
regulares interferia com os seus pensamentos, como um botão de
súbito comutado, e enchia-o de fadiga; as leis e processos
incessantes do mundo físico, da lua e das marés, que em geral pouco
interesse lhe despertavam, não eram minimamente alterados pela sua
situação. Este facto mais que óbvio era duríssimo. Como podia
conviver com eles, sozinho e sem ter quem o apoiasse? E como podia
descer e enfrentar Florence na praia, onde suspeitava que ela devia
estar? Sentiu as calças pesadas e ridículas na mão, esses tubos de
tecido paralelos, unidos numa extremidade, uma moda arbitrária de
séculos recentes. Parecia-lhe que vesti-las iria devolvê-lo ao
mundo social, às suas obrigações e à verdadeira dimensão da sua
vergonha. Uma vez vestido, teria de ir procurá-la. E por isso
demorava-se.»
«Quando
pensava nela, ficava pasmado por ter deixado partir aquela rapariga
com o seu violino. (...) Tudo de que ela precisava era da certeza do
seu amor e de que ele lhe garantisse que não havia pressa, quando
tinham a vida inteira pela frente. Amor e paciência - se ao menos
tivesse possuído os dois ao mesmo tempo - por certo tê-los-iam
ajudado aos dois. (...) É assim, não fazendo nada, que todo o curso
de uma vida pode ser alterado. Na praia de Chesil ele poderia ter
chamado Florence, poderia ter ido no seu encalço. Não sabia, ou não
quis saber que, quando ela fugiu dele, segura na sua angústia de que
estava prestes a perdê-lo, ela nunca o amara mais, ou mais
desesperadamente, que o som da sua voz teria sido uma libertação, e
que ela teria retrocedido. Em vez disso, permaneceu no frio e no
silêncio virtuoso do fim daquele dia de Verão, vendo-a caminhar
apressada pela praia, com o som do seu avanço penoso abafado pelas
pequenas vagas, até se tornar uma mancha indistinta, um ponto a
desaparecer contra a imensa estrada de seixos a brilhar na luz pálida
do lusco-fusco.»
Na
Praia de Chesil,
Ian McEwan, Gradiva, Abril de 2007
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