quinta-feira, março 20, 2014

3. Bettips

Naquele tempo de Maio, ao fim do dia, os homens sentavam-se aos pares, frente a frente, junto às soleiras das portas, abriam um cartão (assim como estes desenhos do chão e das paredes. Gente pobre não tinha "tabuleiro", era um cartão dobrado a meio e uma caixita com as "damas". Pelo menos é como me lembro) e arranjavam as “damas” nos seus quadrados pretos e brancos. As mulheres de avental, a Custodinha, a Alice, a Sarinha, a Lurdes... arranjavam os chicharros ou as sardinhas na pia comum, com um olho no peixe, outro nos seus homens. 
As crianças jogavam “a patela” com um tacão velho de borracha, traços a giz no chão de lajes desiguais: eu com os dois olhos presos à magia do jogo, aos esgares dos jogadores, de como “se comiam” em cruzamentos indefiníveis para mim, toc-toc-toc.
O xadrez dos quadrados e todas as cadeiras vazias me trazem a imagem da ausência dessas tardes de Maio. Dos entretimentos simples, das vizinhas com os seus destinos e da minha ignorância das regras do jogo. Da vida.
O jogador que conseguir cercar ou capturar o inimigo ganha a partida”.
Bettips

2 comentários:

Luisa disse...

Fizeste-me recordar os meus tempos de menina, na minha terra, onde tudo era improvisado mas se jogáva a sério. Lembrei-me de repente do jogo das pedrinhas em que nos divertíamos horas seguidas. Era difícil porque os movimentos que tinhamos que fazer eram muitos. O segredo era encontrar umas "boas pedras", fortes e roliças. Não nos faziam falta as play-stations...

Justine disse...

Que belo "voo" para as tuas recordações, que podia partilhar contigo! Com essa idade aprendi a jogar damas com o meu pai, que as jogava com os amigos, mas que fez questão de me ensinar!