quinta-feira, outubro 26, 2017

AGENDA PARA NOVEMBRO DE 2017

Proposta de Jawaa
Dia 2 - Ao jeito de cartilha: Proponho-vos que usemos a sílaba “ para formar as nossas palavras. A palavra que cada um apresentar tem que conter a sílaba pedida e exprimir a imagem que lhe foi associada com sintonia clara entre ambas. Se houver preferência por um conceito, a regra a aplicar é a mesma, ou seja, ele tem que ser expresso por uma palavra que tenha a sílaba pedida. O texto que alguns de nós acrescentarmos é apenas facultativo e um complemento.
Dia 9 - Reticências com a palavra “Quando a iniciar o texto. Não esquecer a fotografia.
Dia 16 - Com as palavras dentro do olhar sobre fotografia de Jawaa.
Dia 23Jornal de Parede
Dia 30Fotografando as palavras de outros sobre o poema

TESTAMENTO

À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura
Sonhando algures uma lenda
Deixo o meu vestido branco
O meu vestido de noiva
Todo tecido de renda.
Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer
São para os homens humildes
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada
Esses, que são de esperança
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...
Para que, na paz da hora
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora
Com passos feitos de lua
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...

Alda Lara

3 comentários:

Anónimo disse...

Uma ternura! Desconhecia e fui ver o (pouco) que há sobre esta mulher linda. Obrigada Jawaa, sempre enriquecendo aqui, nós e as palavras que trocamos.
Abç
bettips

Jawaa disse...


Este o poema que eu gostaria de ter escrito.
Alda Lara pertenceu à geração, antes de mim, dos europeus já nascidos em Angola que desejaram e pugnaram por que se tornasse independente a terra que julgáramos ser a nossa.
Ela foi uma das que morreu na luta. Tinha 4 filhos, terminou o seu curso já depois de casada (com outro poeta e também médico Orlando de Albuquerque)e morreu a cuidar dos meninos pretos no Dondo, uma terra à beira do Quanza, uma terra horrível de calor e humidade, mosquitos, mosca tsé-tsé,(paragem obrigatória nas viagens que fazíamos de carro Nova Lisboa/Luanda) a centenas de quilómetros de Luanda, vítima de um aborto espontâneo em que se exauriu por falta de meios, e às mãos de seu marido. Lembro-me perfeitamente dela, era eu miúda, ela já uma senhora, alta e muito magra; o seu pai, Sr. Lara, era dono de uma papelaria na avenida principal da nossa terra comum, Nova Lisboa, hoje Huambo. Cresci a ver a montra da dita livraria a encher-se de poeira con a fotografia da filha entre o pano de veludo no chão...
Seu irmão, Ernesto Lara Filho foi um grande jornalista e poeta, era muito ligado à irmã
e acabou os seus dias também cedo, entregue à bebida. Esteve por mais de uma vez preso por escrever o que sentia, um dos presos políticos com que convivi, lembro-me bem deles. Era muito amigo de um primo meu, chocou a nossa família a sua morte e a da irmã.
Eram pessoas muito estimadas e das que pertenceram, como meu pai e tios, aos fundamentos da cidade linda do planalto central de Angola, nascida em 1912 pela mão de Norton de Matos.
É uma resposta longa, mas sei que gostas de saber coisas novas.
Existem alguns poucos poemas na net destas pessoas, mas existe um lindo de Alda Lara que condiz com ela e começa assim:

E apesar de tudo
ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto, ainda sou,
a irmã-mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto!
...




Anónimo disse...

Fico emocionada. Pela M., que me chamou a atenção para o teu comentário, e as tuas explicações de um tempo "que não sabemos".
Ah...por isso tenho tão pouca paciência para o diz-se-diz-se... Tanto sangue naquela terra, de nós, deles.
Tive o privilégio de ter um amigo há 50 anos, jornalista e angolano. Por ele percebi muito. Mas, há sempre coisas e gente para aprender.
Oxalá, a equidade, alguma, pelo menos.
Muito grata, amiga
Bjinho
Bettips