quinta-feira, fevereiro 16, 2023

4. Licínia

Eras muito velhinho, a vida já te sobrava, e dizias, no teu jeito de brincar:

- Estão esquecidos de mim. 

Tinham partido há muito os teus amigos, o teu espaço ia-se confinando à exiguidade dos teus passos, os teus cinco sentidos iam perdendo a agudeza. Tu apercebias-te disso, mas aceitavas. Sem lamentos, dizias:

-  É assim mesmo, sou muito velho.

Não sei bem em que dia de Janeiro morreste, o mesmo mês em que nasceste, não presto para fixar datas tristes. Talvez fosse no dia vinte, talvez, mas que interessa isso, se o que vou fixar para sempre é a tua bondade, a tua inteligência, a tua honestidade, sem data marcada no meu coração.

Quando escrevo versos, embora não sejam decassílabos, recordo no ouvido interno aquela música que nascia enquanto me ensinavas a escandir, tão-ce-do-des-ta-vi-da-des-con-ten...

Como se hoje fosse um dia do Pai.

(excerto de texto incluído em livro a aparecer em Abril) 

Licínia

2 comentários:

Anónimo disse...

Belo texto a acompanhar uma bonita fotografia dum Pai que escreve, tal como, mais tarde, a filha
Luisa

Justine disse...

Excelente texto, Licínia!