quinta-feira, abril 14, 2011

10. Maria de Fátima




Tão...
Cuidei que ela desejaria um texto, frase única que fosse, tão leve de palavras como de sentires - era eu imaginando o que derivasse daquele advérbio de quantidade.
Eu a querer escrever um texto tão eficaz que, a lê-lo, cada um dos outros ficasse embevecido desde o primeiro som que lhe soasse; de tal modo que, se não tivesse lenço, correria o risco de ficar nublado o olhar com que olhasse o ecrã do monitor, ou, se fosse o caso, borraria com descuidada lágrima a letra com que tivesse sido escrito.
Cuidava eu que poderia ser o modo.
E fiquei olhando o Tão... que ela tinha escrito.
E olhando assim, escorregou-me o dedo para palavras como algodão doce, chocolate, rebuçado de morango. Ou, variando um pouco, diospiros e ananás.
Ou seria mais um arroz com canela muito amarelinho do leite e gemas em que tivesse sido cozinhado.
Ou seria antes um gelado com pedacinhos de avelã.
O meu texto a escrever-se seria assim tão doce como se as letras, antes de se juntarem num ditongo, se tivessem rebolado em pó de açúcar branco ou em açúcar mascavado.
E as letras unindo-se em sílabas, e estas em palavras que formassem frases, fariam escoar sentimentos tão serenos quanto ela tivesse nem sonhado quando escreveu Tão... propondo a cada um da gente: "agora escrevam mais"
Assim eu conseguisse, mas temo pelo que escrevesse e, por isso, escrevo apenas isto.

Maria de Fátima

7 comentários:

M. disse...

Muito inventiva esta fotografia, como prolongamento da doçura que invade o texto.

Licínia Quitério disse...

Imaginativa a ideia e um texto a condizer.

Anónimo disse...

Tão doce! Impróprio para diabéticos...
Agrades

bettips disse...

Uma imaginação que discorre pela doçura de coisas boas. Junta-se uma formiga rabiga e temos um banquete!

Por mim vou pelo arroz doce, com gulosa serenidade, assim ele estivesse...

Justine disse...

E assim se verbaliza e des-constroi o processo criativo! Muito interessante, o teu texto e a ligação com a foto (ou vice-versa:))) )

Sérgio Ribeiro disse...

Como tão bem o disse Cesário Verde que queria escrever um poema que exacerbasse e no real o procurava...

Luisa disse...

E bastou a palavra em flocos doces.