quinta-feira, junho 20, 2013

7. M.

«Quem quer casar com a Carochinha que é airosa e formosinha?»

Pois é, ao olhar esta fotografia, embora sendo ela uma imagem diferente e mais sofisticada do que a do livro da minha infância, de imediato me lembrei do João Ratão. Vejo-o ali, de bigodes espetados e braços abertos, tentando equilibrar-se na beira da panela, o vapor do cozinhado e o cheiro do toucinho a aguçar-lhe a gula.
Quando eu era menina, gostava dessa história, agradava-me a musicalidade daquela pergunta repetida pela Carochinha a cada um dos candidatos a marido que, à vez, se apresentavam junto da sua janela, confiantes na capacidade de lhe causarem boa impressão. Agora, tantos anos passados, dei comigo a pensar se o significado de “airosa” e “formosinha” não será praticamente o mesmo. Talvez seja, mas desconfio que a tal Carochinha, no seu desespero casadoiro, precisava de reforçar a ideia que tinha de si. E pelos vistos, após o insucesso com os vários pretendentes anteriores, a estratégia acabou por resultar com o João Ratão. Não, não terá sido uma ratoeira, nem amor à primeira vista, suponho. O rol de pitéus por ele descritos era tentador, condimentava na perfeição o seu sonho de vida, daí a razão possível, julgo eu, do encanto que ela encontrou naquele ser cinzento, peludo, roedor, fugidio, com a mania dos esconderijos. E ainda por cima guloso.

«Que é que tu comes?»  
«Ora o que há-de ser? Tudo o que é bom e que está nas despensas dos ricos: bom presunto, belo queijo, chouriços, paios, fiambre, toucinho entremeado, carne assada, muito tenrinha…» 
M

Nota: Dei há muitos anos o meu livro, nem sei a quem, mas fui à sua procura na net e reencontrámo-nos.
http://cr1ciclo2.no.sapo.pt/carocha.htm

5 comentários:

Justine disse...

Da capa do meu livro, já não me recordo, mas sei que também gostava da história. Só não concordo que o João Ratão fosse feio: os ratos são sempre uns animais muito interessantes! (Ou será por eu gostar do cinzento????)

Rocha de Sousa disse...

Reparando na escultura: obra
de arte púbica, na Expo.98.
Peça de grande escala, numa
espécie de protesto ao alto

bettips disse...

Que maravilha, M.!!!
Fui reler porque não me lembrava bem das ilustrações. E é verdade, cai assim o João Ratão "cozido e assado no caldeirão". Claro que o teu intróito à história me deixou perguntas pertinentes.
Obrigada pela lembrança que me fez sorrir mais do que a escultura.

M. disse...

O não conhecimento das coisas no seu todo tem vantagens: faz o nosso pensamento vaguear por campos diversos e divertir-nos. Ainda bem que eu não sabia o que era esta figura, assim pude voltar à minha infância.

do Zambujal disse...

... bem aproveitada "ignorância"...