quinta-feira, outubro 31, 2013
AGENDA PARA NOVEMBRO DE 2013
«Every action of our lives touches on some chord that will vibrate in eternity»
Sean O' Casey (1880 - 1964)
Dia
7 - Ao
jeito de cartilha: Proponho-vos
que usemos a sílaba “Ga”
para formar as nossas palavras. O
texto que alguns de nós acrescentarmos é facultativo.
Dia
14 - Reticências
com
a frase “Não
feches a porta,
disse”
a iniciar o texto. Não esquecer a fotografia.
Dia
21 -
Com
as palavras dentro do olhar sobre
fotografia
da Jawaa.
Dia
28 - Fotografando
as palavras de outros sobre
o belíssimo poema de Sophia de Mello Breyner Andresen:
DEUS
É NO DIA
Deus
é no dia uma palavra calma
Um
sopro de amplidão e de lisura
O DESAFIO DE HOJE
Dia
31 - Fotografando
as palavras de outros sobre
um excerto de um livro que eu adoro.
«Ta
gorge est nouée. Les larmes font irruption dans tes yeux. Non, ce ne
sont pas des larmes, c'est ton chagrin qui fond et qui s'écoule.
Laisse-le couler.»
Terre
et cendres,
Atiq Rahimi, Éditions Khavaran, Vincennes, 1999, P.O.L. Éditeur,
2000
*******************************************************
«Sentes
o nó na garganta. As lágrimas irrompem dos teus olhos. Não, não
são lágrimas, é a tua tristeza que fundiu e escorre. Deixa-a
escorrer.»
Terra
e Cinzas,
Atiq Rahimi, Colecção Estórias, Editorial Teorema, 2001
12. Zambujal
«Ao ler o trecho de Atiq Rahimi, senti um nó na garganta e... "saltou-me" esta foto de uma pequena gravura que há muito tenho na parede, do João Abel Manta. Com uma nota, que incluirás se achares pertinente: se há palavras difíceis de traduzir, chagrin é uma delas (não sei como traduzir Chagrin d'école, título de um dos livros que mais me impressionou, do Daniel Pennac): tristeza?, não me satisfaz, é pouco, não faz rebentar as lágrimas que nos inundam e extravasam em... nostalgia?, saudade? angústia?... depende. Depende do resto, e a minha leitura atirou-me para esta imagem que mescla tudo. Com chagrin, pronto! E raiva, e esperança que não pode (des)esperar.
E não digo mais.»
Zambujal
10. Rocha/Desenhamento
6. Luisa
segunda-feira, outubro 28, 2013
PARA QUEM NÃO CONHECE
«Há alguns dias, uma pesquisadora dos arquivos da Universidade de Iowa descobriu algo incrível escondido em uma série de livros do século 19: pinturas no corte dos livros que só podem ser vistas quando as páginas são distorcidas em certo ângulo.»
http://www.thisiscolossal.com/2013/09/fore-edge-book-paintings/
Fantástico!
domingo, outubro 27, 2013
Como a Mena é perfecionista...
... não se deu por satisfeita com a sua anterior experiência e compôs o nosso primeiro Jornal de Parede de maneira a oferecer-nos dele uma imagem mais completa.
Não tem importância se não conseguirmos ler aqui os textos, se o quisermos fazer, é só descer um pouquinho até à janelinha de cada um de nós.
Obrigada Mena.
M
Não tem importância se não conseguirmos ler aqui os textos, se o quisermos fazer, é só descer um pouquinho até à janelinha de cada um de nós.
Obrigada Mena.
M
sábado, outubro 26, 2013
quinta-feira, outubro 24, 2013
AINDA O JORNAL DE PAREDE
O link que a Mena me enviou e que achei muito interessante partilhar convosco.
Com a sua autorização, aqui fica:
http://rbth.co.uk/arts/2013/10/17/fams_holocaust_film_shoes_makes_big_impact_30899.html
Com a sua autorização, aqui fica:
http://rbth.co.uk/arts/2013/10/17/fams_holocaust_film_shoes_makes_big_impact_30899.html
AGENDA PARA OUTUBRO DE 2013
Dia
31 - Fotografando
as palavras de outros sobre
um excerto de um livro que eu adoro.
«Ta
gorge est nouée. Les larmes font irruption dans tes yeux. Non, ce ne
sont pas des larmes, c'est ton chagrin qui fond et qui s'écoule.
Laisse-le couler.»
Terre
et cendres,
Atiq Rahimi, Éditions Khavaran, Vincennes, 1999, P.O.L. Éditeur,
2000
***************************
«Sentes
o nó na garganta. As lágrimas irrompem dos teus olhos. Não, não
são lágrimas, é a tua tristeza que fundiu e escorre. Deixa-a
escorrer.»
Terra
e Cinzas,
Atiq Rahimi, Colecção Estórias, Editorial Teorema, 2001
13. ZAMBUJAL
11. ROCHA / DESENHAMENTO
PARA UM RETRATO
Texto e desenho digital: Rocha de Sousa
Este é o retrato do José Xana, um moço que vi chegar a homem, na minha terra, com a mesma cara de sempre, seca, amarelada, coberta por um olhar melancólico, supondo não se sabia o quê, algum entardecer, as ruas vazias, talvez o rolar de memórias desfocadas de uma infância antecipando a adolescência e a juventude e os seus derradeiros sessenta anos.
O José Xana, órfão e só, vivia da sua bondade. Porque essa bondade atraía a bondade solidária de muitos outros. Lembrava-se deles todos, nomes, famílias, modo de vida. Falava pelos nomes, dizia coisas sem sentido, bonitas, e perguntava aos outros do bem estar deles, dos meninos, das meninas, apertando as mãos uma na outra. Este estranho ser que viveu sempre em Silves, sempre certo de quem chegava e ao que vinha, era alimentado e vestido por um grande número de pessoas da terra. Aceitava tudo sorrindo.
Quando alguém morria, logo o Xana aparecia: ficava a noite no Velório e acompanhava o falecido, um pouco atrás de toda a gente, no funeral, o percurso inteiro até ao cemitério. Como devemos classificar este santo imperfeito, ou talvez inteiro e sem explicação, que morreu entre os que amava e o amavam, entre os que lhe trataram do funeral e dele se despediram sem palavras?
Rocha de Sousa O José Xana, órfão e só, vivia da sua bondade. Porque essa bondade atraía a bondade solidária de muitos outros. Lembrava-se deles todos, nomes, famílias, modo de vida. Falava pelos nomes, dizia coisas sem sentido, bonitas, e perguntava aos outros do bem estar deles, dos meninos, das meninas, apertando as mãos uma na outra. Este estranho ser que viveu sempre em Silves, sempre certo de quem chegava e ao que vinha, era alimentado e vestido por um grande número de pessoas da terra. Aceitava tudo sorrindo.
Quando alguém morria, logo o Xana aparecia: ficava a noite no Velório e acompanhava o falecido, um pouco atrás de toda a gente, no funeral, o percurso inteiro até ao cemitério. Como devemos classificar este santo imperfeito, ou talvez inteiro e sem explicação, que morreu entre os que amava e o amavam, entre os que lhe trataram do funeral e dele se despediram sem palavras?
Nota: esta narrativa não é ficcional: sintetiza a longa presença de um ser vivo, deficiente mental, que muita gente amparou como se diz, durante perto de sessenta anos, em Silves.
8. M.
6. LICÍNIA
A ler o artigo de Alexandra Lucas Coelho, no Público de hoje, e a sua descrição de um tal teatrinho perdido no caminho para Death Valley, em cenários que atravessam a nossa memória de filmes de Antonioni, a ler este excelente artigo, dizia, e o pensamento a fugir-me para outro cenário retro em que entrei recentemente.
A propósito de colher um papelinho a que se chama vulgarmente atestado médico, acompanhei uma amiga a um prédio bonitinho, fim de século dezanove, rés-do-chão e primeiro andar, porta verde só encostada, dois degraus de pedra bem gasta. Empurra-se a porta e ficamos numa salinha chamada de espera, com um terno de sofás de madeira e napa, uma mesinha para revistas, tudo muito retro de baixo preço. Nas paredes, quadros com fotos da vila, num tom geral azulado que o tempo lhes conferiu. Um deles, tendo como moldura uma fita adesiva verde escura, pendente do prego na parede por um cordão sedoso, não consegue horizontalidade e espera um ligeiro toque que o endireite. Na mesa, o Borda d' Água, o jornal da região, umas revistas de um laboratório de análises, um lápis e um bloco de apontamentos por estrear. Ninguém na sala, até que, num arrastar de pantufas pelo corredor, chega uma velha senhora que diz "o senhor doutor já vem". Informação dada, senta-se e começa, em silêncio, a fazer o naperon de crochet que tira do bolso do avental. Esperamos uns longos minutos até que o senhor doutor aparece, diz "boa-tarde, venha", e volta para o interior da casa, enquanto a senhora de crochet e pantufas ordena "ainda temos de ir a casa da tia Mila". O senhor doutor responde um "sim, mãe" e ainda o oiço dizer para a minha amiga "venha buscar para a semana".
Apenas dois degraus e o filme desenrola-se e rebobina-se, oitenta anos para trás, oitenta anos para a frente. Em Death Valley ou em Aboboreira do Mar, as aparições do passado não param de nos surpreender.
A propósito de colher um papelinho a que se chama vulgarmente atestado médico, acompanhei uma amiga a um prédio bonitinho, fim de século dezanove, rés-do-chão e primeiro andar, porta verde só encostada, dois degraus de pedra bem gasta. Empurra-se a porta e ficamos numa salinha chamada de espera, com um terno de sofás de madeira e napa, uma mesinha para revistas, tudo muito retro de baixo preço. Nas paredes, quadros com fotos da vila, num tom geral azulado que o tempo lhes conferiu. Um deles, tendo como moldura uma fita adesiva verde escura, pendente do prego na parede por um cordão sedoso, não consegue horizontalidade e espera um ligeiro toque que o endireite. Na mesa, o Borda d' Água, o jornal da região, umas revistas de um laboratório de análises, um lápis e um bloco de apontamentos por estrear. Ninguém na sala, até que, num arrastar de pantufas pelo corredor, chega uma velha senhora que diz "o senhor doutor já vem". Informação dada, senta-se e começa, em silêncio, a fazer o naperon de crochet que tira do bolso do avental. Esperamos uns longos minutos até que o senhor doutor aparece, diz "boa-tarde, venha", e volta para o interior da casa, enquanto a senhora de crochet e pantufas ordena "ainda temos de ir a casa da tia Mila". O senhor doutor responde um "sim, mãe" e ainda o oiço dizer para a minha amiga "venha buscar para a semana".
Apenas dois degraus e o filme desenrola-se e rebobina-se, oitenta anos para trás, oitenta anos para a frente. Em Death Valley ou em Aboboreira do Mar, as aparições do passado não param de nos surpreender.
Licínia, 20 de Outubro de 2013
quarta-feira, outubro 23, 2013
4. JAWAA
Era uma vez um menino irrequieto, vibrante, de cor vermelha como o Capuchinho, que continuamente dançava e percorria os palcos do corpo em estradas largas, estreitas, subindo, descendo os caminhos, a tomar fôlego a buscar combustível, periodicamente, em duas estações de serviço simétricas, uma de cada lado de sua casa.
Esse menino pulsante cresceu como príncipe da generosidade a atender todos os pedidos, a repor as energias em caso de guerra, a recuar perante os assaltos inesperados para retemperar forças, mas sempre alerta e presente, a entregar de bandeja as melhores sensações que um corpo pode almejar. Um dia teve um percalço e enganou-se nos caminhos, teimou, insistiu em continuar e saiu para além do que era o seu território
inundou destruiu entupiu.
Parou de pulsar.
De sua graça, Coração.
Esse menino pulsante cresceu como príncipe da generosidade a atender todos os pedidos, a repor as energias em caso de guerra, a recuar perante os assaltos inesperados para retemperar forças, mas sempre alerta e presente, a entregar de bandeja as melhores sensações que um corpo pode almejar. Um dia teve um percalço e enganou-se nos caminhos, teimou, insistiu em continuar e saiu para além do que era o seu território
inundou destruiu entupiu.
Parou de pulsar.
De sua graça, Coração.
Jawaa
1. AGRADES
quinta-feira, outubro 17, 2013
AGENDA PARA OUTUBRO DE 2013
Dia
24 - Jornal
de Parede, um
novo desafio
(*)
(*)
Como
devem possivelmente estar lembrados, desde que há mais variedade de
desafios, o Fotodicionário
passou
a ter lugar apenas nos meses com cinco semanas.
Pois
apeteceu-me arranjar um outro desafio que o substitua nesses meses.
Dei-lhe o nome de Jornal
de Parede.
A ideia é que cada um de nós contribua com o que lhe vier à cabeça
e deseje partilhar com os outros. Poderá ser: uma fotografia, um
pensamento, um desabafo, uma alegria, um texto, um texto a acompanhar
uma fotografia, uma interrogação sobre qualquer acontecimento, uma
história verdadeira, uma história ficcionada, uma interrogação,
uma notícia, uma frase bonita, sei lá, o que agradar a cada um.
Parece-me
que pode ser interessante. Imagino o papel posto na parede, grande,
enorme – por acaso é no ecrã dos computadores, mas não importa
- e nós em bicos de pés, ou não, pode ser de joelhos, em cima de
um banco, de uma cadeira, do escadote... depende da nossa estatura, a
colocar lá as nossas participações com o auxílio de alfinetes. Ou
fita cola. Ou... Com cuspo não, claro. Não se aguentariam muito
tempo, esmorecidas de moleza e fragilidade.
«COM AS PALAVRAS DENTRO DO OLHAR», O DESAFIO DE HOJE
14. Zé-Viajante
Na
velha quinta onde nasceram sua mãe, avós e bisavós, havia uma
grande alameda de castanheiros. Ao fundo, as cavalariças de então.
Junto à porta, num prego de tamanho anormal, repousava sempre um
molho de chaves.
Passados muitos anos o Solar da velha quinta é agora uma estalagem de luxo. As chaves desapareceram de vez. Em seu lugar, sinais dos novos tempos, tudo se abre e fecha com recurso a cartões magnéticos e comandos alfa-numéricos. É o «Abre-te Sésamo» das novas tecnologias.
Na velha quinta onde ele nasceu há quase setenta anos, ainda existe a grande alameda dos castanheiros. E escapando à profunda remodelação do espaço ainda lá ficou a casa dos cavalos. Hoje sem tectos e com muros a caírem de velhos. E junto à velha porta que ainda resiste, lá está, com as marcas do tempo, o mesmo molho de chaves da sua infância.
Passados muitos anos o Solar da velha quinta é agora uma estalagem de luxo. As chaves desapareceram de vez. Em seu lugar, sinais dos novos tempos, tudo se abre e fecha com recurso a cartões magnéticos e comandos alfa-numéricos. É o «Abre-te Sésamo» das novas tecnologias.
Na velha quinta onde ele nasceu há quase setenta anos, ainda existe a grande alameda dos castanheiros. E escapando à profunda remodelação do espaço ainda lá ficou a casa dos cavalos. Hoje sem tectos e com muros a caírem de velhos. E junto à velha porta que ainda resiste, lá está, com as marcas do tempo, o mesmo molho de chaves da sua infância.
Zé-Viajante
13. Zambujal
Tantas
vezes abriram portas. Tantas vezes fecharam portas.
De ferrugem ficaram.
Atraíram o olhar e inspiraram uma bela fotografia.
Estas são palavras para o dizerem.
De ferrugem ficaram.
Atraíram o olhar e inspiraram uma bela fotografia.
Estas são palavras para o dizerem.
Zambujal
12. Teresa Silva
Que portas ou cofres teriam
estas chaves aberto? O tempo passou, enferrujaram, mas existem ainda.
E os objectos a que elas pertencem, ainda estão lá? Alguém os
conhece ou se lembra?
Teresa Silva
Teresa Silva
11. Rocha/Desenhamento
Com
as palavras dentro do olhar, mais
um desafio, imagem colada ao olhar e às palavras que podem dizer a
percepção desse acto visual. O que eu vi concentra-se
na fotografia da Bettips e configura, em tons de ferro e ferrugem
degenerativa, um molhe de velhas chaves ainda suspensas de um aro de
arame preso à parede. Isto suscita, contudo, derivas imagísticas em
torno de outras matérias menos duras, porventura orgânicas,
certamente também em decomposição. Aquilo que envolve a
metamorfose dos corpos, a sua trasladação da vida quotidiana para
dimensões diferentes, onde nada
se perde e tudo se transforma.
Rocha
de Sousa
10. Mena M.
Guardadoras de
espaços, tesouros e segredos, muitas vezes brinquedo improvisado,
quem não se lembra que também serviam de apito, deixaram de ser
úteis, estão out!
Hoje em dia as chaves são inteligentes, sofisticadas, electrónicas.
Ao olhá-las trouxeram-me à memória a minha mãe, que trazia sempre consigo um grande molho delas. Vezes sem conta as perdia, rezava o responso a Santo António, oferecia uma recompensa de vinte e cinco tostões a quem as encontrasse.
Um dos meus irmãos era quase sempre o felizardo, chamávamos-lhe o detective.
Um dia descobrimos que se apoderava delas num acto de distração da nossa mãe e as escondia, para depois de uma fingida busca as encontrar e reclamar o prémio...
Hoje em dia as chaves são inteligentes, sofisticadas, electrónicas.
Ao olhá-las trouxeram-me à memória a minha mãe, que trazia sempre consigo um grande molho delas. Vezes sem conta as perdia, rezava o responso a Santo António, oferecia uma recompensa de vinte e cinco tostões a quem as encontrasse.
Um dos meus irmãos era quase sempre o felizardo, chamávamos-lhe o detective.
Um dia descobrimos que se apoderava delas num acto de distração da nossa mãe e as escondia, para depois de uma fingida busca as encontrar e reclamar o prémio...
Mena
9. Mac
Alguém me disse que para abrir
as portas do céu, fechadas a sete chaves, teria de pedir perdão dos
sete pecados, mortalmente mortais, e teria de cumprir religiosamente
os sete sacramentos...
A mim parece-me que a única razão para as portas do céu não se abrirem é porque as suas chaves se encontram ferrugentas...
A mim parece-me que a única razão para as portas do céu não se abrirem é porque as suas chaves se encontram ferrugentas...
Mac
8. M.
Mal
olhei para esta bela fotografia da Bettips lembrei-me do
guarda-noturno que calcorreava grande parte das ruas do bairro em que
vivi entre os cinco e os vinte e sete anos.
Homenzarrão apertado numa farda escura, aos tropeções passeio abaixo passeio acima, o molho de chaves enormes a tilintar no cinto de cabedal em volta da barriga proeminente, lá vinha ele ao encontro dos raros notívagos que o chamavam batendo fortemente as palmas das mãos para que lhes abrisse a porta da rua. Figura estremunhada a dele, a surgir nem eu sabia de onde, de que rua mal iluminada, quase de repente. Um pouco assustadora, confesso, e ao mesmo tempo provocando em mim uma certa compaixão por o imaginar muito só na sua vigília urbana.
Nas ruas havia um ou outro carro estacionado, os autocarros e os elétricos deslizavam sem atropelos, na sua maioria os residentes recolhiam cedo, em passo lento, muito antes de o guarda-noturno entrar ao serviço. Agora o movimento é outro, o ritmo dos dias acelerado, a vida enrolada em horários tardios, os relógios em competição com o tempo.
No entrelaçado de arquiteturas diversas que compõem o bairro continuam a existir prédios antigos, e aquele onde o meu Pai nasceu e morei com a minha família durante tantos anos marca ainda presença com as suas paredes de pé direito ancestral e a traça original das suas janelas. Ah e a porta de madeira maciça altíssima que me fazia sentir um pigmeu e que custava tanto a empurrar mudou de castanho para verde mas continua firme no passeio. Não faço ideia se range, se geme de cansaço, se ainda ri o riso dos meninos. Gostaria de poder voltar a tocar-lhe, espreitar a entrada ampla, as seis caixas de correio alinhadas na parede do lado esquerdo, subir dois a dois os degraus da escadaria de madeira até ao terceiro andar, cruzar-me pelo caminho com a memória de um ou outro vizinho, tocar a campainha ou meter a chave à porta – tão frágil ela era, o postigo retangular a lembrar um remendo -, entrar dentro de casa e encontrar-me comigo em cada divisão. Desejo perigoso e solitário, bem sei. Tenho a certeza que sairia de lá com uma sensação mista de familiaridade e de estranheza, de algo agradável e igualmente doloroso.
M
Homenzarrão apertado numa farda escura, aos tropeções passeio abaixo passeio acima, o molho de chaves enormes a tilintar no cinto de cabedal em volta da barriga proeminente, lá vinha ele ao encontro dos raros notívagos que o chamavam batendo fortemente as palmas das mãos para que lhes abrisse a porta da rua. Figura estremunhada a dele, a surgir nem eu sabia de onde, de que rua mal iluminada, quase de repente. Um pouco assustadora, confesso, e ao mesmo tempo provocando em mim uma certa compaixão por o imaginar muito só na sua vigília urbana.
Nas ruas havia um ou outro carro estacionado, os autocarros e os elétricos deslizavam sem atropelos, na sua maioria os residentes recolhiam cedo, em passo lento, muito antes de o guarda-noturno entrar ao serviço. Agora o movimento é outro, o ritmo dos dias acelerado, a vida enrolada em horários tardios, os relógios em competição com o tempo.
No entrelaçado de arquiteturas diversas que compõem o bairro continuam a existir prédios antigos, e aquele onde o meu Pai nasceu e morei com a minha família durante tantos anos marca ainda presença com as suas paredes de pé direito ancestral e a traça original das suas janelas. Ah e a porta de madeira maciça altíssima que me fazia sentir um pigmeu e que custava tanto a empurrar mudou de castanho para verde mas continua firme no passeio. Não faço ideia se range, se geme de cansaço, se ainda ri o riso dos meninos. Gostaria de poder voltar a tocar-lhe, espreitar a entrada ampla, as seis caixas de correio alinhadas na parede do lado esquerdo, subir dois a dois os degraus da escadaria de madeira até ao terceiro andar, cruzar-me pelo caminho com a memória de um ou outro vizinho, tocar a campainha ou meter a chave à porta – tão frágil ela era, o postigo retangular a lembrar um remendo -, entrar dentro de casa e encontrar-me comigo em cada divisão. Desejo perigoso e solitário, bem sei. Tenho a certeza que sairia de lá com uma sensação mista de familiaridade e de estranheza, de algo agradável e igualmente doloroso.
M
7. Luisa
Quintas
abandonadas, igrejas em ruinas, masmorras, degredos, cativeiros. Que
desapareçam estas chaves!
Luisa
6. Licínia
Já sete vezes abertos,
Já sete vezes fechados,
Os sete cofres da vida.
As sete chaves rodadas,
A guardar sete segredos,
A calar sete verdades,
A esconder sete pecados.
Eram brilhantes as chaves,
Eram esperançadas as vidas,
Eram valentes os cofres
Que as sete chaves abriram,
Que as sete chaves fecharam.
Tantas vezes, mais que sete,
Os segredos se evolaram,
As verdades se negaram,
Os pecados se apagaram.
E as chaves enferrujaram,
Os cofres se esvaziaram,
E as vidas continuaram.
Novas chaves se inventaram,
Palavras-chave nasceram,
Invisíveis, impalpáveis,
Tão seguras, tão secretas
Como as chaves que brilharam
E um dia se desfizeram.
Sete chaves, sete vidas,
Sete cofres que souberam
De sete amores que chegaram,
De sete dores que partiram.
Palavra a puxar palavra,
Assim a estória contada
De um molho de velhas chaves
Guardadas no nosso olhar.
Licínia
Já sete vezes fechados,
Os sete cofres da vida.
As sete chaves rodadas,
A guardar sete segredos,
A calar sete verdades,
A esconder sete pecados.
Eram brilhantes as chaves,
Eram esperançadas as vidas,
Eram valentes os cofres
Que as sete chaves abriram,
Que as sete chaves fecharam.
Tantas vezes, mais que sete,
Os segredos se evolaram,
As verdades se negaram,
Os pecados se apagaram.
E as chaves enferrujaram,
Os cofres se esvaziaram,
E as vidas continuaram.
Novas chaves se inventaram,
Palavras-chave nasceram,
Invisíveis, impalpáveis,
Tão seguras, tão secretas
Como as chaves que brilharam
E um dia se desfizeram.
Sete chaves, sete vidas,
Sete cofres que souberam
De sete amores que chegaram,
De sete dores que partiram.
Palavra a puxar palavra,
Assim a estória contada
De um molho de velhas chaves
Guardadas no nosso olhar.
Licínia
5. Justine
Já
abriram portas de casas habitadas por gente feliz. Já serviram para
desvendar o interior de arcas cheias de segredos. Hoje, passadas que
foram várias eternidades, as casas estão em ruínas, as arcas
vazias. Acabou-se-lhes o préstimo…
Justine
4. Jawaa
Guardam
segredos de séculos, avultam nas memórias da infância: as chaves
das portas da casa das cabras, dos galinheiros, da cozinha velha, a
porta grande do armazém do milho. E perduram nos bordados dos lenços
minhotos a fechar os corações dos namorados.
Jawaa
3. Bettips
Tantas
vezes as palavras são as chaves que nos abrem ou fecham os
caminhos. Tantas
vezes as deixamos, penduradas no silêncio das paredes, no dia a dia.
A enferrujar.
E queríamos dizer amor / amizade / compaixão / carinho / atenção e não utilizamos a chave mestra da palavra que nos une.
E queríamos dizer amor / amizade / compaixão / carinho / atenção e não utilizamos a chave mestra da palavra que nos une.
Bettips
2. Benó
O
meu olhar detém-se sobre tanta chave enferrujada, sem préstimo,
umas enormes, outras nem tanto e pergunto-me: Que portas, portões,
caixotes, baús seriam sido fechados e abertos por estas peças com
tantos anos de vida e uso? Que segredos elas teriam ajudado a
guardar? E estou a ver as abadessas dos conventos com os grossos
cordões na cintura de onde pendiam as chaves das despensas onde se
guardavam os doces que elas tão bem sabiam fazer. Ao mesmo tempo,
gostaria de saber: Como seriam as chaves dos cintos de castidade?
Benó
1. Agrades
Chaves velhas...
Que mistérios terão aberto e fechado ao longo dos anos?
Que preciosidades terão guardado e, entretanto, perderam o interesse e o valor e estarão abandonadas como as chaves que as guardaram?
Interrogações...
Agrades
Que mistérios terão aberto e fechado ao longo dos anos?
Que preciosidades terão guardado e, entretanto, perderam o interesse e o valor e estarão abandonadas como as chaves que as guardaram?
Interrogações...
Agrades
quinta-feira, outubro 10, 2013
13. Zé-Viajante
Manhã cedo, muito antes da abertura, o dono lá estava à porta da drogaria cavaqueando com os amigos. Hoje é uma saudade - e a tremenda falta que faz. Fechou as portas o ano passado.
Mas, felizmente, deu lugar a uma loja lindissima - Antiga Drogaria - que faz as delicias de quem lá passa ou lá entra.
Só é pena não venderem as molas, pregos e parafusos que agora temos que comprar, noutro local,em pacotes de 10 ou 20...
Zé-Viajante
12. Zambujal
Manhã cedo…
aqui estou eu, vigilante, atenta ao movimento dos barcos que, de madrugada, partiram para a pesca e a quem desejei boa faina. Logo que vir sinais de regresso usarei estes cabos para transmitir a nova às minhas companheiras que me encarregaram desta tarefa, gaivota em posto no poste da telegrafia com fios, e lá em baixo, na areia, esperam e brincam para enganar a fome de peixe.
Zambujal
10. Rocha/Desenhamento
Manhã cedo, no início de uma Primavera esplendorosa, atravessei a ponte e dirigi-me para os lados do Seixal, na ideia de um outro dia já longe em que espreitara a morte dos navios de ferro numa doca lamacenta, espécie de cemitério de naves assim, imensas e ferrugentas, retorcidas pelo tempo e pelas batalhas perdidas. Desta vez guiava com mais certeza, embora ansioso quanto à possibilidade de revisitar as máquinas serrando cascos vazios num berro contínuo e estridente. E de súbito, desvendando o espaço onde tudo me fora dado a ver, apenas descortinei uma única carcaça, vaga e sem popa, sem proa, o ventre rasgado, apontado ao alto, ao contrário de si mesmo. Em volta havia apenas lama apodrecida, quase verde, salpicada de velhas embalagens e bandos de gaivotas.
8. M.
7. Luisa
6. Licínia
5. Justine
4. Jawaa
3. Bettips
Manhã cedo...
levantávamo-nos estremunhados, uma lavadela, o pequeno almoço distraído já a ouvir instruções para o caminho, (re)meter os apetrechos nas malas que se queriam tendencialmente arrumadas e leves. Nunca sou fácil de falar ou ser falada, de manhã. Mas a disciplina de grupo e a novidade de cada dia transformou-me um pedaço.
Assim percorremos, uma grande parte a pé, parte em autocarro, alguns dos velhos caminhos que os comerciantes romanos, Moçárabes e mais tarde os peregrinos, fizeram durante séculos: tomando um troço da “Via de La Plata” que atravessa Espanha pelo interior, desde Andaluzia. Unicamente fizemos o pequeno bocado do mapa, desde Chaves para norte e, já em terras espanholas, na direcção de Ourense. Uma experiência extraordinária!
Esta é uma das visões de uma manhã. Cedo.
Bettips
2. Benó
quinta-feira, outubro 03, 2013
AGENDA PARA OUTUBRO DE 2013
Dia
10 - Reticências
com
a frase “Manhã
cedo”
a iniciar o texto. Não esquecer a fotografia.
O DESAFIO DE HOJE: «AO JEITO DE CARTILHA»
Um bom recomeço depois desta ausência, não acham?
O prazer de voltar a estar convosco neste ecrã do mundo.
M
O prazer de voltar a estar convosco neste ecrã do mundo.
M
12. Teresa Silva
11. Rocha/ Desenhamento
Para e Palavras
Para
que fizeram vocês esta encenação sobre a maternidade? Palavras
bíblicas e
gritos e sombras vermelhas, depois azuladas, em névoa, no amanhecer
que revela os sonhos nocturnos, gente em ressaca enchendo um barco
tosco, navegação de acaso, para
nada, o ventre da mulher em vias de parir, o ventre do tamanho do
mundo.
Rocha de Sousa
9. Mac
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