RESTARA APENAS...
... a lembrança das vozes das crianças no pátio da escola, paredes meias com
a formosa quinta. Das flores, assim chamada. Viva, a memória das devassas
inocentes da propriedade, aproveitando a velhice do portão. À saída da
escola, no fim do Inverno, os renques de camélias, vermelhas, brancas,
bicolores, atraíam as mãos das meninas, corpito esticado, em bicos de pés,
ofegantes do prazer proibido. Os meninos, mais corpulentos, mais afoitos,
alongavam os passos, carreiro fora, e iam à colheita das laranjas. Sobejas
vezes, o latido de um cão matara a ousadia e fora um pernas-para-que-vos
quero, laranjas pelo chão, talvez uma na mão e outra já presa nos dentes, o
raio do cão havia de as pagar.
- Tanta coisa mudou na Quinta das Flores, disse ela. Ainda lá estão as
camélias, as laranjas também. Não há o cão, mas os miúdos não se afoitam,
como dantes, pelo caminho rente ao muro, até porque um arame farpado ameaça agora atrevimentos.
Por muito que se tivesse esforçado, não conseguira perceber porque é que a
escola já lá não estava. Mandaram-na embora. Talvez já não prestasse.
Licínia