«Qualquer esperança de que a fuga pudesse ser evitada desvaneceu-se na manhã de 27 de Novembro, quando o próprio D. João chegou às docas, acompanhado pelo Infante espanhol, Pedro Carlos, um favorito do príncipe regente que foi criado na corte portuguesa.»
«Podemos nunca vir a saber ao certo quantas pessoas conseguiram embarcar na frota, mas parece que cerca de dez mil saíram de Portugal para o Brasil, na primeira vaga − um número impressionante se tivermos em conta que a população de Lisboa naquela época não ultrapassava as 200 mil almas. A um vasto séquito de cortesãos − cirurgiões reais, confessores, damas de honor, guarda-roupas do rei, cozinheiros e pajens − juntava-se a melhor sociedade lisboeta − conselheiros militares, sacerdotes juízes e advogados, juntamente com os seus familiares.»
«Nas ruas, a corte era forçada a improvisar, reduzindo a ostentação que acompanhava as suas saídas em Lisboa…»
«Luccock descrevia uma corte deprimida, lutando por manter as aparências. A Rainha D. Maria, embora talvez inconsciente do declínio dos padrões, dava a volta à cidade em algo que ficava muito aquém dos mínimos esperados da realeza: “O melhor veículo que a rica colónia do Brasil conseguia conceder à sua soberana era um pequeno cabriolé”, escreve ele, “trazido no mesmo navio em que (a rainha D. Maria) chegou. Era puxado por duas mulas vulgares e conduzido por um criado vestido com uma libré velha e desbotada, senão esfarrapada.»
«O Rio de Janeiro era um porto colonial muito movimentado mas rude. As liteiras reais partilhavam as ruas estreitas com vendedores ambulantes que percorriam o centro, anunciando as suas mercadorias com pregões roucos e cadenciados. Os cortesãos chocavam com cirurgiões de baixo nível que sangravam pacientes na berma das ruas.»
Império à deriva (A corte portuguesa no Rio de Janeiro 1808-1821), Patrick Wilcken
Civilização Editora
M
6 comentários:
boa leitura :)
verá que as coisas não são assim tão diferentes, apesar de já terem passado cerca de 200 anos;
beijo
Pois que nele encontro muitas semelhanças com o que agora se passa... Aqui e noutros países. Muito interessante este livro.
Em tudo Igual, mas, mas..,
só com uma pequena, mas dramática diferença,
As MULAS estão no Poder há uns anos!
ainda delicioso
Pelos vistos já é costume virarem as costas...e irem para o Brasil ou Bruxelas. Nada que nos espante, os simples portugueses que ficam. E a História não é mais que uma lição de atitudes. Em Portugal, demasiado comuns! Abç
A nossa realeza foi sempre um tanto pelintra, basta ver, por comparação com outras cortes europeias, a pobreza do património arquitectónico da casa real portuguesa. É só por essa pobreza de legado que lamento o facto, porque de resto prefiro que tenha sido assim: quanto menos fausto e desperdício, melhor!
Mas no que respeita à partida de D. João VI para o Brasil, tive a oportunidade de ler há pouco tempo num livro também bastante interessante - Aqui não passaram! - O erro fatal de Napoleão, de Carlos de Azeredo -, um ponto de vista bem diferente do habitual. Segundo o autor, contrariamente ao que se possa pensar, a partida da família real constituiu uma pedra no sapato dos invasores franceses, que assim não puderam fazer em Portugal o que fizeram, por exemplo, em Espanha: depor o rei e substitui-lo por um familiar do Imperador.
É claro que, posteriormente, as consequências deste abandono foram devastadoras...
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