terça-feira, março 13, 2007

O Editorial de Pedro Teixeira Neves, na revista "Magazine Artes", de Março de 2007

Solicitações e Emboscadas

Não é novidade que a União Europeia tem sido construída ao arrepio do factor cultural. Se, contudo, os alicerces desta «torre» têm sido cimentados por via económica, que não política, pois nenhum Estado parece disposto a abdicar por completo das suas prerrogativas em matéria de assuntos internos, muito menos externos, a verdade é que talvez o que falte agora para o aprofundamento da União seja tomar em mãos a batalha da Cultura. Talvez por isso, o Conselho da EU acabe de designar 2008 o Ano Europeu do Diálogo Intercultural, mostrando-se essa instituição empenhada, durante os 18 meses da Presidência tripartida da Alemanha, Portugal e Eslovénia, em debater as contribuições vindas de uma série de conferências de peritos que abordarão temas diversos como indústrias culturais, estatísticas, turismo cultural, arquivagem de longo prazo, digitalização ou diversidade cultural.

No mesmo plano de apreciação, urge que a União Europeia tome consciência do filão gerador de riqueza que a Cultura (a sua diversidade cultural) constitui. É neste contexto que deve mudar a visão redutora daqueles europeístas que acham que a variedade de culturas será um impedimento, mais do que um trunfo catalisador, ao avanço da construção europeia. Um dos veios desse filão é, sem dúvida, o do audiovisual, televisão e cinema incluídos, hoje indústrias que movimentam milhões e milhões de dólares e que alimentam um gigantesco mercado de emprego. É, pois, com expectativa que lemos no programa para as três próximas Presidências a vontade do Conselho Europeu em concentrar «esforços para modernizar o enquadramento jurídico europeu dos meios de comunicação», em «concluir os trabalhos sobre a revisão da Directiva “Televisão sem Fronteiras” e sobre a revisão da Comunicação sobre o Cinema de 2001», bem como lançar o novo Programa Media que cobrirá o período 2007 – 2013.

Longe de todas estas preocupações, o audiovisual português vai-se entretendo com o chamado telelixo. Novelas atrás de novelas, programas de entretenimento de baixo coturno, futebol em contínuo, ele há de tudo e pouco que preste. A produção nacional converteu-se à novela, documentários ou cinema, quase nem vê-los! No mais, o povo entretém-se com um concurso palerma no qual, ao jeito infantil, se tenta saber qual o melhor português da história! Para quê? Só vejo uma resposta: para fazer sair da toca para os telefones a tropa de fascistas saudosistas de salazar (assim mesmo, com caixa baixa, tal a grandeza da personagem…), ou de comunistas empenhados em alcandorar Álvaro Cunhal (com letra grande, sim), ao panteão dos mais ilustres, embora com boa vontade, muita. E no meio da contenda, um rei, claro, porque os monárquicos também têm telefones e dinheiro para os gastos. Adeus Camões, adeus Pessoa, adeus Cultura.

Revista Magazine Artes, publicação mensal.
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7 comentários:

None disse...

Muito oportuno este texto e constatando uma realidade que nada contribui para a formação de jovens, para a aprendizagem contínua de toda a gente.
O panorama é de facto preocupante: fazendo zaping há dias, fui encontrar um programa, com figuras conhecidas no meio intelectual e com responsabilidades a nível do ensino universitário, como membros do júri; pelo que pude perceber, os concorrentes dividiam-se em meninas muito bonitas mas muito ignorantes e rapazes feios mas muito esclarecidos; a minha pergunta é: o que faziam aqueles membros do júri ali?
Salvo raras excepções, o panorama da TV não é de recomendar.
A nível de rádio, parece-me que o caminho é o mesmo, exceptuando a RDP2, que me parece, já teve tempos melhores.
Por acaso, tenho cassetes VHS, gravadas há uns anos atrás. Há dias, procurando organizá-las, constatei (das poucas que já vi) que os programas dos anos 90 eram de qualidade superior aos actuais, pelo menos no que respeita ao canal 2. Gravei concertos, entrevistas com escritores, poetas, programas de arte e filmes de referência.
Bem podemos desejar melhores dias e outra orientação para os canais de televisão e rádio.

Anónimo disse...

Desisti de ver televisão portuguesa já alguns anos, salvo quando faço zaping e alguma coisa me atrai.No emprego oiço discussões de programas que viram nos dias anteriores, e só pelo que oiço, basta-me! Até os telejornais já me causam nauseas, para não falar em ansiedade.

JPD disse...

Olá M

Na Babel primordial, a profusão de linguas visou atrapalhar a comunicação entre os seus cosntrutores, por estes ansiarem a paridade do criador. A diversidade linguística constituiria um castigo por tamanha ousadia.

O maior trunfo da europa é precisamente a diversidade cultural.
Será sempre essa plataforma que garantirá fulgor da união, nunca uma estandardização vinda de Bruxelas ou de qualquer membro com veleidades de liderança dominadora.

Texto muito interessante o desta edição.
:)

None disse...

Quanto ao concurso, subscrevo o que o autor diz, acrescentando que gostaria de não ver comprovada a falta de conhecimento da História de Portugal, isto no caso de os votos recaírem sobre figuras recentes.
De facto não é para levar a sério. É um concurso palerma.

jawaa disse...

Estou contigo nas preocupações inerentes à (falta de)cultura neste país.
Poucos se poderão orgulhar da riqueza destes mais de oito séculos e meio de História e atiram-nos com um programa de que só tenho notícia pelo que leio e me deixa prostrada.
O canal primeiro de informação pública pago por nós, continua a alterar INDEVIDAMENTE e sem grandes protestos por quem de direito, a hora «sagrada» das notícias do país pelo sacratíssimo jogo de futebol do dia... e isto repetidamente!
Sem mais comentários, que quem rege os gostos e a educaçao no país continua a ser Fátima, Futebol e ... Floribelas

bettips disse...

Ainda não li para trás. Ainda bem que falas nisto!!! Eu estou no Camões, estarei. Ele que até vai sair (ou já?) de ser obrigatório...). LIXO fascista NÃO. O fascismo foi contra a cultura, a liberdade mas sobretudo A Cultura, o saber, a visão larga das coisas...Fernando Pessoa, A. Cunhal, Marquês, Infante D.Henrique, D. Dinis, Eugénio, Vieira da Silva... sei lá admiro-os mas precisamos de algo mais abrangente. Eu nunca voto nem entro nestas coisas mas reparei... estou arrepiada de tanta ESTUPIDEZ! Bem Hajam os que mudos não ficam... Abraços a todos!

Teresa David disse...

Como concordo na íntegra com este texto...
Bjs
TD