segunda-feira, março 26, 2007

Um livro a que estou presa

«Teresa tinha uma fotografia na bolsa. Trazia-a na carteira há muito tempo: desde que o Chino Parra a tirara a ela e ao Güero Dávila num dia em que comemoravam o seu aniversário. Estavam os dois sozinhos na fotografia, ele tinha vestido o blusão de piloto e passava-lhe o braço pelos ombros. Estava um pedaço de mau caminho rindo-se diante da máquina fotográfica, com a sua fronha de gringo magro e alto, com o polegar da outra mão enfiado na fivela do cinto. A sua expressão risonha contrastava com a de Teresa, que insinuava apenas um sorriso entre inocente e desconcertado. Nessa altura tinha apenas vinte anos e, além de muito miúda, parecia frágil, com os olhos muito abertos diante do flash da máquina e, na boca, aquele trejeito um pouco forçado, que não chegava a ser contagiado pela alegria do homem que a abraçava. Talvez, como acontece na maior parte das fotografias, a expressão fosse casual: um instante qualquer, o acaso fixado no filme. Mas como não se aventurar agora, com a lição sabida, a interpretar? Com frequência, as imagens, as situações e as fotografias não o são totalmente até surgirem os acontecimentos posteriores; como se ficassem em suspenso, provisórias, para serem confirmadas ou desmentidas mais tarde. Tiramos fotografias, não com o objectivo de recordar, mas para as completarmos depois com o resto das nossas vidas. Por isso há fotografias que acertam e outras que não. Imagens que o tempo coloca no lugar certo, atribuindo a umas o seu verdadeiro significado e recusando outras que desaparecem sozinhas, como se as cores se apagassem com o tempo. Aquela fotografia que guardava na carteira era das que se tiram para depois adquirirem sentido, embora ninguém saiba quando é que isso acontecerá. E, no fim de contas, o passado de Teresa dava a esse velho instantâneo um futuro inexorável, finalmente consumado. Já era fácil, desta margem de sombras, ler, ou interpretar. Tudo parecia óbvio na a atitude do Güero, na expressão de Teresa, no sorriso confuso motivado pela presença da máquina fotográfica. Ela sorria para agradar ao seu homem, apenas o imprescindível − vem aqui, pretinha, olha para a objectiva e pensa no muito que me amas, minha linda −, enquanto se lhe refugiava nos olhos o presságio obscuro. O pressentimento.»

A Rainha do Sul, Arturo Pérez-Reverte, Edições Asa

2 comentários:

Lúcia disse...

já li e foi este livro que me fez comprar outros deste autor.
ando agora a ler o cemitério dos barcos sem nome.
gosto dele

Isabel disse...

Li... é um bom livro.
Quando acabares diz quem sabe te queres prender a uma sugestão minha.

Beijinhos.

Isabel