quarta-feira, março 14, 2007

Um poema de que gosto muito

Fotografia de S.






NÃO TENHO CASA PARA ONDE VOLTAR

nem esperança onde me abasteça
por isso caminho.

As casas entram em derrocada quando passo
a terra é uma serapilheira de escombros.
Detenho-me a admirar as pás mecânicas
os movimentos das escavadoras eriçam-me de desejo.
De noite as contemplo:
os perfis imóveis das pás
descansando sobre o céu azul cobalto
ao lado da lua de luz nacarada
são ainda mais belos que os braços dos homens que as manipulam
e as escavadoras
com as suas enormes bocas abertas e cheias ainda
de terra e escombros
parecem enormes animais mortos.

Os meus pais ensinaram-me a nunca ter nada.
Ensinaram-me a nunca voltar para casa
a nunca dizer esta casa é minha
aqui moro eu
neste lugar que amo.

Fecho a porta e não preciso de olhar para trás para saber
que a casa já não existe.
Em nenhum lado sem falar com ninguém moro
mas se nos encontrarmos
posso ensinar-te a caminhar sorridente sobre a desolação.


Miriam Reyes (Espanha, 1974)

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Enviado por Amélia Pais
http://barcosflores.blogspot.com/
http://cristalina.multiply.com/



6 comentários:

bettips disse...

Quase ...arde como álcool na ferida. Tão bonito...Pessoas, poema e foto. Bj

None disse...

Este é dos poemas mais enigmáticos que tenho lido. Daqueles a que se volta cada dia, até o perceber completamente ou nunca o compreender.

Teresa David disse...

Enigmático ou pessoal, como quando quisemos dizer ao Mundo aquilo que guardamos só para nós. Mas belissimo bem como a foto.
Bjs
TD

por um fio disse...

Adorei o poema! É lindissimo! É uma lição de vida...
A nossa casa é nos braços da pessoa que amamos... «Fecho a porta e não preciso de olhar para trás para saber que a casa já não existe.»

:)

A fotografia do S. também está linda!

bettips disse...

Amélia: fizeste parte dos meus primeiros vôos pelos blogs, gostava muito do teu, nome, fotos, palavras. Mas nunca consigo comentar-te. Deixo-te aqui UM ABRAÇO ANTIGO!

Teresa Durães disse...

Quando vi esta fotografia no Diafragma automaticamente liguei-a ao título que lhe deu ("O Gladiador")

Confesso que não a revejo no poema. Mais no homem de espada curta no meio da arena sem poder de decisão a enfrentar animais que o querem matar enquanto o palco em sua volta apela ao sangue.