Os meus olhos envelheceram. A foto também, nos seus tremidos e torcidos. Decadências, muito a propósito do conteúdo que atraiu o fotógrafo. Os objectos, perdidos dos donos, mudados de lugar, de tempo, cumprem agora destino transitório para que não foram criados. Empilhados, desalinhados, convivem com aliatoriedades, diacronias, disparidades e outras palavras caras que lhes dêem estatuto que já tiveram ou outro que sonharam ter. Amontoados de histórias, intervalos de suspiros, risinhos irónicos de estatuetas de mulheres veladamente nuas, flores esquecidas na secura de livros tavez lidos, impressões digitais, de muitos dedos de muitas mãos, de muita gente que pelos objectos passou, os acariciou, os desviou, os transportou para uma deportação em campus mais ou menos culto, mais ou menos endinheirado, de admiradores de passados, todos eles perdidos, todos eles amortecidos na impiedade da poeira.
Licínia Quitério
5 comentários:
Instantes, pouco mais do que isso, é o que nos cabe no tempo...
Valerá a pena cuidar dos objectos que temos em casa? Sabemos que um dia irão parar a um armazém qualquer e que mais ninguém saberá onde estiveram.
Imagino bem a sua viagem diante
deste cenário obsoleto e ainda à
espera dos sonhos que se perdem.
O olhar parece envelhecer, entre
a «impiedade da poeira». Belo texto,o seu.
Uma descrição de L. que parece uma tela, uma pintura, um pergaminho que vamos desenrolando. Lembro um filme "O Vento Levar-nos-á" de Kiarostami, onde são assim expressos os vários sentimentos do contraditório humano.
Triste, tão triste o teu texto...
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